sexta-feira, 27 de março de 2009

ALGUNS RELIGIOSOS E SUAS ESTREITAS RELAÇÕES COM OS PÁSSAROS

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Conhecemos muitas histórias clássicas de religiosos se relacionando com pássaros, bem como, desnecessário dizer, que a conversa entre eles foi exclusivamente unilateral... Quero dizer que nestas "conversas" não se usaram palavras, ficando a relação, quando não no plano mental, limitada ao religioso se expressando por meio de palavras e a ave, se não ficara muda, vocalizou algo lá na sua linguagem animal, inenteligível para nós humanos. Hoje trago aqui algumas destas curiosas histórias que marcaram a história da humanidade.

Noé e a pomba mensageira

Uma dessas mais antigas conversas foi a que se deu entre Noé e a pomba enviada para localizar terra firme após o dilúvio. Palavras não foram ditas, contudo uma mensagem foi entregue pela pomba a Noé. Foi quando ela voltou à arca trazendo um ramo de oliveira no bico, o que significava que o dilúvio havia cessado. De acordo com uma antiga lenda, a pomba voltou para a arca novamente e, desta vez, trazia marcas de barro vermelho nos pés, o que mostrava que realmente “as águas tinham minguado de sobre a terra” (Gênesis 8:11). De acordo com essa lenda, Noé pediu a Deus que os pés das pombas ficassem vermelhos até o final dos tempos. Hoje, todas as pombas e pombos têm os pés vermelhos como forma de sinalizar este acontecimento que salvou o mundo.

John Bastwick

O pesquisador Thomas Keith, em seu livro O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1988), citou o caso de um mártir puritano que fora saudado por pássaros ao desembarcar numa ilha para onde fora degredado. Thomas disse que esse religioso inglês, conhecido como John Bastwick (1593-1654), fora banido para as ilhas Scilly, em 1637, e ao chegar ali

“‘vários milhares de tordos de papo-roxo’ se reuniram para saúda-lo (‘nenhum desses pássaros fora visto naquelas ilhas antes disso’)”.

Cita-se que,a Europa, o tordo de papo-roxo é uma ave silvestre que se tornara mascote honorário sem ser capturada, o que é um caso particular, mas o mesmo Thomas Keith afirmou que o aprisionamento de um tordo da papo-roxo numa gaiola deixou o poeta William Blake furioso.

Provavelmente, esse pássaro, seja o Black-Throated Thrush (Turdus ruficollis atrogularis), uma ave da família dos turdídeos, um representante dos nossos conhecidos sabiás no velho Mundo.

Padre José de Anchieta

Simão de Vasconcelos, em sua Vida do Venerável Padre José de Anchieta, publicada pela primeira vez em 1672, obra baseada em trabalhos anteriores de outros biógrafos jesuítas, cita uma passagem lendária envolvendo o padre Anchieta (1533-1597) que, segundo esse relato, era um beato que tinha o dom de falar com os animais, e, dentre outras notáveis proezas, também dominava os elementos naturais.

A mais célebre passagem de sua vida envolvendo pássaros, foi aquela que, viajando ele em seu incansável trabalho de catequese, invocou um bando de atraentes aves vermelhas para proteger os irmãos do sol causticante. Assim, todos da canoa foram protegidos pela sombra das aves que, a uma ordem sua, puseram-se a voar numa formação fechado sobre a sua cabeça. A ave em questão é o guará (Eudocimus ruber, foto).

Raimundo de Menezes, em Aconteceu na velha São Paulo..., transcrevendo texto do padre Carlos Manoel da Nóbrega, cita outra famosa passagem vivida por Anchieta, aquela em que escrevera poemas na areia de uma praia:

“Foi depoimento comum dos índios - informa-nos Simão de Vasconcelos - que viram por vezes nesta praia uma avezinha graciosamente pintada, que com um brando vôo andava como fazendo festa, enquanto José ia compondo e escrevendo, e lhe, saltava brincando, ora nos ombros, ora nas mãos, ora na cabeça, ou para mostrar a José o cuidado que o céu tinha deles, ou para mostrar aos índios o com que haviam de respeitá-lo.”

Como se pode constatar, impossível, com os dados fornecidos, saber de que espécie é a ave citada.

“Anchieta escrevendo na areia”, óleo de Benedito Calixto.

Outra passagem envolvendo o padre Anchieta, recolheu Carlos Teschauer, que a ouviu de Batista Pereira:

“Contam que longe de Reritiba, sozinho na solidão, como São Francisco Xavier, morreu o Apóstolo do Brasil. Chegaram então duas andorinhas, colocando-se nos ombros do corpo, para vigiá-lo. E quando o levaram em banguê para o cemitério, juntaram-se-lhes mais duas andorinhas, que voaram em frente do préstito fúnebre. Ao enterrarem o corpo, formaram as andorinhas uma cruz acima da sepultura.”

São Francisco de Assis

Certo dia, São Francisco (1181-1226) saiu para pregar num região campestre situada entre Cannara e Bevagna, local onde havia um pequeno descampado rodeado por árvores de variadas espécies. Em dado momento, o santo teve sua atenção despertada para um bando de pássaros, uns pousados nas fronde das árvores, outros voando em revoadas ou espalhados pelo chão no descampado, e todas cantavam com tal alarido que pareciam estar se confraternizando (na ilustração, óleo de J. Segrelles). Para a surpresa de todos, o santo falou a seus discípulos:

“Esperem um momento, vou pregar às nossas irmãzinhas aves!”

Francisco entrou no campo e foi ao encontro das aves pousadas no chão. Mal começou a pregação, as que estavam nas árvores se reuniram às que estavam no chão. Nenhuma se mexia, embora andando ele passasse perto e mesmo chegasse a roçar nelas com a extremidade de sua veste! E dizia às ela:

“Minhas irmãzinhas aves, vocês devem muito a Deus, o Criador, e por isso, em todo lugar que estiverem devem louvá-Lo, porque Ele lhes permitiu que voassem para onde quisessem, livremente, da mesma forma que devem agradecer o alimento que Ele lhes dá, sem que para isso tenham que trabalhar; agradeçam ainda a bela voz que o Senhor lhes proporciona, que lhes permitem realizar lindas entonações! Vejam, minhas queridas irmãzinhas, vocês não semeiam e não ceifam. É Deus quem lhes apascenta, quem lhes dá os rios e as fontes, para saciar a sede; quem lhes dá os montes e os vales, para o seu refúgio e lazer, assim como lhes dá as árvores altas, para fazerem os ninhos. Embora não saibam fiar e nem coser, Deus lhes concede admiráveis vestimentas para todas vocês e seus filhos, porque Ele lhes ama muito e quer o bem estar de vocês. Por isso, minhas irmãzinhas, não sejam ingratas, procurem sempre se esforçarem em louvar a Deus.”

Ao final destas palavras, todas as aves, num gesto quase uniforme, começaram a abrir os bicos e esticar os pescoços, ao mesmo tempo em que cantavam e abriam as asas inclinando a cabeça em direção ao chão, como que a reverenciar o pregador e demonstrar assim que ele lhes havia proporcionado uma grande satisfação.

Ao final, São Francisco benzeu-os com o sinal da cruz e deu-lhes permissão para que se retirassem. Então, as aves levantaram vôo e se espalharam pelo céu fazendo evoluções e cantorias com grande animação. Depois, o bando se dividiu em vários grupos e partiu desaparecendo por trás das matas e colinas.

Uma outra passagem

Conta-se que, dias depois, o Santo foi em companhia de Frei Massau a um lugarejo situado entre Orte e Orvieto, conhecido como Alviano. Ali, pararam na praça do Mercado e como sempre, cantaram uma melodia com versos que convidavam à conversão do coração, com a finalidade de reunir o povo do lugar. Ao final do canto. o santo começou sua pregação. Era ao entardecer, momento em que as andorinhas – as mesmas aves que ainda hoje fazem ninho nos altos muros e nas torres das construções do lugar –, voavam de um lado para outro em evoluções contínuas, cantando alto e de modo quase uníssono. Os habitantes do lugarejo que se comprimiam ao redor do santo para ouvir sua pregação, não estavam conseguindo entender quase nada tal era o barulho que as aves faziam. Então, São Francisco, com a maior tranqüilidade, olhou para elas e com muita doçura lhes disse:

“Irmãs andorinhas, parece-me que agora é minha vez de falar. Já cantaram e falaram bastante! Escutem, pois, a palavra de Deus e fiquem silenciosas enquanto eu falo!”

No mesmo instante, para a surpresa de todos, as andorinhas cessaram sua algazarra e fizeram um grande silêncio, e assim se mantiveram por todo o tempo em que o santo falou.

A morte de São Francisco de Assis

Os últimos anos da vida de Francisco são de uma radiosa beleza. Pressentido São Francisco que estava próximo da morte, pediu aos frades que o levassem para a sua pequena cela na Porciúncula. Era o sábado, dia 3 de outubro de 1226, e o santo vivia os seus últimos momentos. Para resumir a impressão daqueles que o viram na ocasião: Tomás de Celano, um dos seus primeiros biógrafos, diz que o santo foi ao encontro da morte cantando. Ao cair da tarde, estando rodeado pelos frades que choravam e não queriam abandoná-lo, o santo começou a cantar o Salmo 141 de David. Conforme os minutos passavam, o som de sua voz foi perdendo a intensidade, até que, em certo momento, emudeceu por completo. Em seguida, seus lábios fecharam para sempre, e, foi assim que, cantando, São Francisco de Assis adentrou a eternidade. Porém Deus, em sua infinita bondade, ainda permitiu uma última saudação em homenagem ao humilde santo que venerava a Si e aos “irmãos” animais: no mesmo instante, vindo de todos os cantos do horizonte, uma nuvem de cotovias desceu sobre a Porciúncula e ocupou todo o teto da cela de Francisco, espalhando pela redondeza os seus trinados imprevista cantoria – eram as suas amigas que ali chegavam, e em profusão e admirável alarido, vinham dar-lhe o último adeus.

Jesus

As duas histórias envolvendo Jesus e pássaros no período de Sua infância de que se tem notícia, são de natureza diversa e não constam das versões canônicas. Existem inúmeros textos apócrifos que falam desse período, como as que constam da série de livros denominada “Apócrifos - Os Proscritos da Bíblia”, lançado pela Editora Mercuryo, com histórias com textos compiladas e traduzidas por Maria Helena de Oliveira Tricca e Júlia Bárány, e em outro livro, “O outro Jesus segundo os evangelhos apócrifos” (2002), de Antonio Piñero, editora Paulus. Há histórias interessantes nesse gênero, como aquela em que Ele fazia pequenos pássaros de barro, dentre outros animais, e lhes insuflava vida soprando em suas narinas. Há uma outra curiosa passagem – que inclusive consta de um filme que todo ano passa na Páscoa –, em que Ele toma um passarinho morto à pedradas por uma outra criança, e, visivelmente triste e transtornado, sob os olhos surpresos de Maria, o ressuscita fazendo-o voar de suas mãos.

Bem, amigos, isto é tudo o que descolei de histórias do gênero, e se eu descobrir mais alguma, ou se os leitores souberem de outras, me dêem um toque que eu as disponibilizarei neste espaço.

BIBLIOGRAFIA
22 fontes.
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