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quinta-feira, 11 de março de 2010

“SINHÁ MOÇA” – UM LIVRO, UM FILME E UMA NOVELA INSPIRADOS NA HISTÓRIA ABOLICIONISTA DE ARARAS

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Em 13 de março de 2006, a Rede Globo colocava no ar pela segunda vez, a novela de época “Sinhá Moça”. Muitos ignoram – exceção feita aos mais antigos, historiadores e aos que leram o livro do Alcyr Matthiesen, “Araras - Retratos da História”, – mas a novela, cuja primeira versão foi em filme, tem a ver com Araras e a história de seu movimento abolicionista. Em março de 2010, após o grande sucesso do remake de 2006, a mesma emissora decidiu reapresentar no horário vespertino em “Vale a pena ver de novo.”

Sinhá Moça foi adaptada do livro homônimo da escritora Maria Dezonne Pacheco de Fernandes. A novela, no entanto, foi um remake do escritor Benedito Ruy Barbosa, e a primeira adaptação, também dele, é de 1986, para a mesma rede de televisão, tendo como protagonistas, a famosa dupla de renome internacional, Lucélia Santos, como Sinhá Moça, e Rubens de Falco, como Barão de Araruna, e também o ator Marcos Paulo como Rodolfo. Na última versão, os atores eram Débora Falabella, Osmar Prado e Danton Mello, respectivamente.
A escritora (foto, década de 1950), nascida em Itu e 8 de dezembro de 1904, residia em Araras na primeira metade do século XX, na fazenda Araruna, de propriedade de seus avós, próximo à estação do Elihu Root. Sua mãe, Clarinda, era ararense. Faleceu em 2 de março de 1998.

A novela foi uma ótima oportunidade para os ararenses conhecerem um pouco mais algumas facetas sobre a história da abolição local, pois, como veremos, ela teve inúmeras de suas passagens inspiradas nos fatos que ocorreram aqui na década de 1880. Dez anos após o lançamento do livro (1942), já grande sucesso e em terceira edição, ele foi finalmente adaptado para o cinema, por obra do cineasta Tom Payne, e é sobre o filme que iremos falar agora.

Tudo começou quando Franco Zampari – o pioneiro do cinema brasileiro – instou a autora a ceder os direitos para adaptá-lo ao cinema. Após uma reunião em Araras da escritora com o pessoal da Vera Cruz – uma espécie de versão brasileira de Hollywood – as filmagens tiveram início em junho de 1952. Parte do filme foi financiado pelo marido da escritora, o senhor João Pacheco Fernandes, que era presidente do Banespa na época. Foi uma das produções mais caras da Vera Cruz, pois visava atender também o mercado internacional. (foto, Eliana Lage como Sinhá Moça). As fontes se contradizem nas informações sobre o sucesso do filme – uns dizem que teve uma fraca bilheteria, outras que chegou a superar o famoso “O Cangaceiro”, que havia batido recordes de público.

Maria Dezonne, em fevereiro de 1952, em depoimento ao Jornal da Noite, da Capital, se referindo ao livro, afirmou:

A mucama Virgínia
“(...) trata-se de um romance verdadeiro (...). Não é obra fictícia. Fi-lo na fazenda de meus pais, em Araras, num recanto bucólico, onde só tinha como confidente a velha Virgínia, hoje com 77 anos de idade e que foi minha grande auxiliar na reconstituição das cenas históricas ao natural. (...) a mucama Virgínia do meu romance é a mesma que viverá seu próprio e autêntico papel no filme. Ela acompanha a minha família há mais de 50 anos, tendo sido filha de escravos”.

A coleção Nosso Século (1985) traz um trecho de um depoimento da romancista “que aborda o movimento abolicionista em tons cor-de-rosa”:

"Sinhá Moça representa o que eu achei que todas as mulheres brasileiras deveriam sentir. Esse espírito de fraternidade (...); essa preocupação com os menos protegidos da sorte... E um símbolo, afinal, a Sinhá Moça ( ... ). Eu penso que o filme traz elevação, e leva ao estrangeiro o que nós temos de melhor, que é a nossa formação, a aristocracia dos nossos lares... Veja O Cangaceiro, apresentado no estrangeiro; é como um quisto moral, não é? Não mostra bem certo o que é verdadeiramente, o que foi verdadeiramente o Brasil...”

A escritora afirmou ainda que o barão de Araras, em 4 de abril de 1888, “foi o ilustre ararense o primeiro homem no Brasil a dar liberdade aos homens que mantinha em sua propriedade”. É provável que foi daí que nasceu a ideia equivocada na cidade de que Araras foi a primeira a libertar seus escravos no Brasil. Virgínia, que em entrevista ao mesmo jornal, disse ter presenciado a abolição em Araras, revelou: “Vinha vindo da escola, quando o sr. João Pedro de Souza, intendente de Araras, me disse no dia 13 de maio de 1888: ‘Hoje não tem escola. Foram libertados todos os escravos’”, e complementou corroborando sua patroa dizendo que o barão de Araras já se havia antecipado à Lei Áurea, libertando seus escravos de sua fazenda, a São Joaquim. Disse ainda que o dono da fazenda São Tomé acolhia generosamente os escravos das diversas fazendas circunvizinhas, e a molecada, em consequência, cantava este estribilho: “Seu Lourenço Dias, quero ver balancear só”. Em 6 de fevereiro de 1956, o extinto jornal Semanário de Araras entrevistou um cidadão ararense, de 89 anos de idade, que havia presenciado a abolição da escravatura em Araras, o senhor João Antonio Eliseu, nascido em 1875. Disse ele:

“– Recordo-me que naquele dia, o genro do Barão de Arari, sr. João Soares do Amaral, chamou os escravos e lhes disse: – De hoje em diante vocês não são mais escravos, vocês estão livres. Mas aqueles que quiserem continuar a trabalhar na fazenda podem ficar, e quem não quiser pode ir embora.”

Décadas depois, em entrevista concedida à Tribuna do Povo em julho de 1977, Maria Dezonne (foto recente) revelou que o filme foi “classificado em 1o lugar e laureado com os mais disputados troféus”. Foi premiado no festival de Cannes; em Veneza recebeu o “Leão de Bronze de São Marcos”; na Alemanha Ocidental, o prêmio “O.C.I.- Oficial Católico Internacional”; em Punta del Este”, a ‘Lanterna Simbólica’, oferecida pelo Vaticano; também o Medaille D’Honneur L’Ouvre Nationale Du Teatre Al’Hospital - Academie Ansaldi em Paris. No famoso festival de Veneza, onde o filme concorreu com “Moulin Rouge”, era a primeira vez que o Brasil havia sido premiado. Também foi premiado em Varsóvia, Berlim e recebeu inúmeros prêmios no Brasil.

Em 22 de agosto de 1954, houve no Núcleo Araruna uma festa em homenagem à autora e o elenco do filme, festa esta filmada pela TV Tupi. Um trecho do discurso feito pelo professor Vicente Ferreira dos Santos na homenagem, dizia:

“O enredo de ‘Sinhá Moça’ constitui um dos capítulos mais belos e sugestivos da história de Araras (...) realçando as cenas de tentativa de fuga dos escravos procedentes muitas vezes de longínquas paragens, almejando com ansiedade atingir nossa cidade, pois aqui estavam a salvo do cativeiro”.

Em outro trecho, se referindo à avant-premiere do filme no cine Santa Helena, falou:

“(...) os ararenses se sentiam emocionados, quando em um dos lances de grande intensidade emotiva, os pretos foragidos, em massa, com mulheres e crianças, perseguidos pelos ‘capitães do mato’ e pela polícia, repetiam a seus companheiros a frase, que tanto nos sensibilizou: – Em Araras, negro não é mais escravo”.

O já citado Jornal da Noite, vaticinando sobre o filme, afirmou:

“O final do filme será uma consagração, verdadeiramente apoteótica, aparecendo os escravos, já libertos, arrancando as correntes que ofereciam como dádiva a Deus, à frente da Igreja principal da cidade de Araras, enquanto os sinos repicavam em regozijo”.

A autora, numa entrevista ao programa "Fantástico" da Rede Globo gravada em 9 de maio de 1985:


SERIA O BARÃO DE GRÃO-MOGOL O BARÃO DE ARARUNA DA NOVELA SINHA MOÇA?

Em outra ocasião já tive a oportunidade de falar na Tribuna do Povo das maldades que o fazendeiro Gualter Martins Pereira – o lendário barão de Grão-Mogol (ilustração), da vizinha cidade de Rio Claro, praticava contra seus escravos, foi quando fiz a matéria O Folclore da Bananeira na Morte do Barão de Arari (9-2004). Recentemente, escrevi uma matéria sobre “Sinhá Moça”, o livro que deu origem ao filme e à atual novela da Rede Globo. Ocorre que novas pesquisas sobre o tema me levaram à descobertas curiosas e surpreendentes, de que irei tratar agora.

Acredito que muitos ararenses devam se perguntar: – Mas, afinal, quem seria o tal de barão de Araruna da novela? Em que a autora do livro se inspirou para compor o personagem? E Sinhá Moça e o Irmão do Quilombo, também existiram?
Pois bem: o senhor Cardoso Silva – um conceituado e idôneo radialista – que morou em Araras, e à época residia em São Paulo, lançou algumas pistas. Cardoso era escritor freqüente dos jornais ararenses da época, escrevendo sobre reminiscências e tipos populares de rua, aliás, era o seu assunto predileto. Sobre o filme, escreveu ele o seguinte sobre o filme no extinto Jornal de Araras (7-1953):

“Vou lhe prometer uma coisa: falar de algo que muito me orgulhou. E tudo por causa do ‘filme’ do Tom Payne que se chama ‘Sinhá Moça’, ainda em exibição por aqui. O nome de Araras dança e re-dança no enredo da história. Lembra passado do eminente Barão do Grão-Mogol – (e eu sei que você entra no cemitério de Araras e nem dá importância para aquele túmulo velho, esquecido, do ilustre cidadão, que ali ainda existe!) e transpira bravura de Lourenço Dias quando roubava escravos de todas as fazendas p’ra levá-los aos ‘palmares da fazenda São Tomé’.”

Caso o que escrevera Cardoso seja verídico, lembrando-se que a escritora nada afirmou disto em suas entrevistas, podemos concluir que ela se inspirara no tal barão para compor o fictício personagem da novela – o barão de Araruna –, interpretado pelo ator Osmar Prado (foto). Apesar de suas sabidas maldades, esse barão (que era mineiro, mas não era nenhum “come-quieto”, como veremos), em 26-10-1871, assinou uma ratificação passada em cartório, em que assegurava a liberdade dos filhos de suas escravas nascidos de 1871 em diante. Anos depois, em 21-2-1887, ele apresentou na Câmara de Rio Claro uma indicação que promovia a criação de um “livro de ouro, para concorrer com os seus irmãos no desenvolvimento da santa e humanitária idéia da libertação dos escravizados do município”. O pedido foi aceito e em 5-2-1888, ele dava liberdade total aos seus escravos, com 93 dias de antecipação à “Lei Áurea”, portanto, meses antes que a façanha do barão de Araras.

Cardoso se equivocou ao dizer que o barão de Grão-Mogol está enterrado no cemitério de Araras. Seu túmulo (foto), hoje jaz solitário em meio um terreno pertencente à fazenda Angélica, na verdade, um canavial à beira de uma estrada, bem distante da sede. E mais, segundo um depoente, o ararense Miguel Curtulo (85 anos, 2006), o barão foi enterrado no cemitério de Rio Claro, mas pouco depois, ele começou a aparecer à noite em sua fazenda como uma assombração. Diziam que ele queria se enterrado em suas terras, e a solução foi trazer seus despojos de volta, e enterrá-lo no cemitério da fazenda junto de seus escravos. Da família, o que se sabe, o único túmulo que se encontra no cemitério de Araras é o da baronesa, a senhora Emília Martins Pereira, que falecera aos 99 anos em plena demência.

Aos antigos dizem que o barão, depois que sua esposa enlouqueceu, passou a mantê-la trancafiada num sótão da casa-grande. Até há décadas atrás, se dizia que havia na parede desse sótão, o desenho do contorno de seu corpo, feito por ela mesma à giz, mas o reboco caiu e o desenho se perdeu, como eu mesmo testemunhei. O escritor Emílio Wolff, em seu livro Nosso Folclore (vol. II,1985), recolheu uma história que fala sobre a índole de um barão, a que não deu o nome, mas todos os indícios levam a crer que seja o barão de Grão-Mogol. Lê-se no texto: “O casarão da fazenda tinha três andares: Térreo: Senzala; Sobrado: Residência do Barão; Sótão: Prisão perpétua de sua esposa, a fim de poder cortejar lindas pretas escravas de sua propriedade" (foto). O excelente livro Rio Claro: Um Sistema Brasileiro de Grande Lavoura, 1820-1920, do pesquisador norte-americano Warren Dean (1977) traz o seguinte sobre o assunto: “Declaração feita pelo Sr. Pedro Rossi e Senhora, em Rio Claro, em 13 de dezembro de 1968. O barão, sob o falso pretexto de que sua mulher era demente, mantinha-a presa no sótão.”. No entanto, em 25-10-1931, o historiador ararense Vicente Ferreira do Santos, publicou uma matéria na Tribuna, onde resgatara um texto do mesmo jornal, de outubro de 1899, que dizia da situação em que se encontrava a baronesa: “Publica-se um edital de interdição da Baronesa de Grão-Mogol, que foi julgada incapaz de reger sua pessoa e bens. Assina-o o juiz de direito de Rio Claro, dr. José de Andrade Guimarães.”

O livro de Warren também dá conta de uma terrível realidade, a do famoso tratamento do barão para com suas escravas:

“Para algumas pessoas, indubitavelmente, a instituição da escravatura era uma licença para a satisfação dos desejos, fossem eles quais fossem. O capanga do barão de Grão-Mogol, um negro liberto baiano que continuou a viver na casa-grande da fazenda muito depois da morte do barão e da partilha de suas propriedades, deixava atônita a família de imigrantes que cuidava dele em seus últimos anos, com as histórias das orgias sádicas presididas pelo barão no seu porão, tendo como convidados todos distintos membros da elite local, e as escravas do barão, acorrentadas a postes e grades, como pièce de résistance.”

Em 1864, o jornalista e romancista francês Jean Charles Marie Expilly, que esteve no Brasil por longo período, publicou, em Paris, livro intitulado “Les femmes et les moeurs du Brasil” (Mulheres e costumes do Brasil), onde ele diz:

“(..) a escravidão entregava a mulher cativa ao capricho do homem branco, e tão natural isto se afigurava, como uma das conseqüências da vida das senzalas e das suas brutais tradições que, a circunstância de rodearem o agricultor-barão dezenas de mulatinho, filhos ilegítimos dele, não escandalizava, nem comprometia a gente austera”.

O mesmo texto de Wolff, traz outras revelações, mas como é um texto já publicado na Tribuna, faço um resumo dele aqui. Escreveu ele, que o barão, certa vez, cometeu uma maldade tão terrível que resultou em três mortes seguidas:

“Uma preta velha, que foi escrava da fazenda de café do Barão, contava que certa vez, uma escrava, de cesta na cabeça, uma criança nos braços e outra agarrada na saia, vinham em direção à senzala. Ao se aproximarem do lago, o Barão, que seguia seus passos, arrancou-lhe o filhinho e o jogou na lagoa. A mãe, desesperada, atirou-se na água para salvá-lo. Como não sabia nadar, morreram afogados, mãe e filho. A menina, que ficara em terra, instintivamente também foi ao encontro da mãe para morrer com ela.”

Não é de se duvidar que o barão, ao assassinar a criança, estaria dando cabo daquele que talvez fosse um provável filho seu com a escrava. Qual outro motivo? De fato, na atual novela, além de o barão de Araruna ter tido um filho bastardo com uma escrava – o mestiço Dimas –, houve um capítulo em que ele tentou abusar da negra Adelaide, a bela mucama de Sinhá Moça.

Outra passagem do texto de Wolff, também traz o seguinte: “Dizia-se ainda que, o Barão costumava matar a tiros alguns de seus escravos, por simples diletantismo, enterrando-os no cemitério da Fazenda”. Curiosamente, na mesma novela, um escravo revoltoso, é ameaçado de morte pelo barão.

O livro de Warren também esclarece: “diz-se que o barão de Grão-Mogol reconheceu 15 de seus filhos de escravas, todos os quais partilharam sua herança, a plantação da Angélica. Não se encontrou nenhum caso semelhante.” Warren, se fiando em trabalho de F. J. de Oliveira Viana (Populações Meridionais do Brasil), cita que este descrevia liricamente os barões como “garanhões fogosos da negrada”.

Um outro depoente, o senhor José Aparecido Begnami (85 anos, 2009), chegou a conhecer quando moço o célebre Tio Braz, um capanga do barão de Grão Mogol, e também chefe de escravos na fazenda Mata Negra. Das terríveis histórias que chegaram até nós sobre assassinato de recém-nascidos filhos de escravos e dos próprios escravos da fazenda, Tio Braz era o encarregado de muitos desses macabros serviços. Os adultos eram amarrados com pedras presas ao corpo e jogados um tanque que ficava para cima da fazenda Angélica, que, segundo Cidão, deve existir até hoje. Por essa época, era tudo fazenda Mata Negra, mas, depois, o fazendeiro e vereador José Ribeiro de Almeida Santos Filho comprou terras e abriu a fazenda Angélica. Tio Braz morreu com 120 anos, com as pernas comprometidas e infestadas de bichos-de-pé, que eram extraídos por um tal de “Bepão” Perinotto, usando-se a ponta de uma faca, momento em que Braz urrava e chorava de dor. Uma morte até branda para um homem que tanto mal fez aos escravos.

Quanto à personagem Sinhá Moça, não se sabe se ela foi inspirada na filha do barão de Grão-Mogol, a jovem Olinda, da qual não se têm informações. Porém, é provável que a cozinheira do barão – chamada “Ba” na novela –, seja inspirada em Virgínia, a empregada que narrou à escritora muitas das cenas reais utilizadas no livro , a negra, que no filme, interpretou seu próprio papel. Virgínia faleceu em São Paulo em 3 de dezembro de 1957 aos 82 anos, consternando o meio cinematográfico do país.
Agora, quanto ao “Irmão do Quilombo” (que um texto da Internet dizia que “parece o Zorro, com sua vida dupla, é bem verdade”), como vimos no texto do Cardoso, seria então o abolicionista ararense, o célebre Lourenço Dias (foto). Lourenço (1840-1898) tinha um quilombo particular em sua fazenda, a São Tomé, onde se reuniu mais de 400 escravos – o “palmares” ararense, a que se refere Cardoso – onde recolhia os escravos que fugiam de outras fazendas locais e da região – é somente o que afirmaram os historiadores locais, mas dizer que ele abria senzalas das fazendas na cidade na calada da noite para libertar escravos, como acontece na novela, só a autora do livro poderia confirmar, no entanto, ao contrário do que eu afirmei na última reportagem, a escritora Maria Dezone Pacheco de Fernandes já falecera.

De acordo com a tradição e a memória oral resgatada pelos antigos escritores, tanto barão de Grão-Mogol quanto o barão de Arari, por terem sido maus para com seus escravos, quando faleceram, o corpo de cada um desapareceu e em seu lugar, tiveram que colocar um tronco de bananeira no caixão para que pudessem realizar o enterro – um fato folclórico comum em muitas regiões do Brasil.

Por fim, não nos esqueçamos o que comentou dona Mariazinha à respeito de seu livro “Sinhá Moça”, em depoimento ao paulistano Jornal da Noite (2-1952):

“trata-se de um romance verdadeiro (...). Não é obra fictícia. Fi-lo na fazenda de meus pais, em Araras, num recanto bucólico, onde só tinha como confidente a velha Virgínia, hoje com 77 anos de idade e que foi minha grande auxiliar na reconstituição das cenas históricas ao natural. (...). Ela acompanha a minha família há mais de 50 anos, tendo sido filha de escravos”.


CURIOSIDADES SOBRE O FILME

– A estação do Elihu Root (foto, 1995), foi imortalizada como estação Araruna no filme, em que não só aparece como também foi usada para o transporte dos atores. Houve uma cena marcante, aquela em que ocorre uma tentativa de desembarque de tropas na estação para sufocar a rebelião dos escravos, e que foi frustrada por um grupo de mulheres que compareceu à gare, impedindo a ação dos soldados;

– Para as filmagens, a Vera Cruz construiu um cenário representando “a praça de Araras, a Igreja local, além dos demais pontos de referência do filme”. Sobre o estado da fazenda na época da filmagem, o Jornal de Araras escreveu: “Pode nossa reportagem ver o lugar onde ficava o tronco, e em companhia da homenageada, visitar as ruínas da antiga sede. A senzala, vimos de passagem, devido estar longe da antiga sede.”;

– Os atores principais de Sinhá Moça eram Anselmo Duarte (O Pagador de Promessas), Eliane Lage (esposa do cineasta Tom Payne), e a atriz Ruth de Souza (foto), que foi a primeira artista brasileira a ser indicada para um prêmio em Veneza, só perdendo por dois votos para Lili Palmer, atriz do filme “Leitos Nupciais”. Dentre as outras atrizes na disputa do melhor prêmio, estavam nada mais nada menos que Katherine Hepburn e Michele Morgan, fato que, por si só já constitui um prêmio. Matéria de capa da conceituada revista Manchete em 16 de maio de 1953, Ruth foi considerada a maior atriz negra do Brasil;

– O poeta modernista Guilherme de Almeida – o “Príncipe dos Poetas Brasileiros” –, que viveu sua infância em Araras, foi um dos responsáveis pelos diálogos adicionais do filme;

– O crítico de cinema da Folha de São Paulo, José Geraldo Couto,analisou o filme: “‘Sinhá Moça’ apesar de ser produção de época, misto de épico e melodrama, e de se ressentir da artificialidade dos diálogos, continua vivo por conta do dinamismo da montagem, da iluminação e dos movimentos de câmara. A seqüência final, espécie de Carnaval à luz dos archotes pela libertação dos escravos, mantém seu impacto dramático e visual”;

– O presidente Lula, em 2003, em conversa com o ator José Wilker sobre os novos projetos deste à frente da Agência Nacional de Cinema, confessou ao ator seus gostos cinematográficos, e disse ser fã do filme Sinhá Moça.

– O filme foi relançado em 2004 em DVD, no primeiro volume da “Coleção Vera Cruz”, junto de “Tico-Tico no Fubá” e “Uma Pulga na Balança”;

– O ator Anselmo Duarte, falecido em 18-10-2009, não filmava desde 1979, quando dirigiu “Os Trombadinhas”, filme produzido e interpretado por Pelé. Costumava reclamar do pessoal do Cinema Novo, afirmando que preferiu ficar longe do cinema, vivendo um exílio voluntário: “A inveja pela Palma de Ouro desencadeou um processo de aniquilamento, iniciado pelo pessoal do Cinema Novo e que fez com que me sentisse sem ambiente no Brasil”, comentou ele em entrevista ao Estadão em 1999.

BIBLIOGRAFIA (24 fontes)

*Atualizado em 22-11-2010
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