Mostrando postagens com marcador ornitologia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador ornitologia. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

O BACURAU-MIGRADOR NORTE-AMERICANO (Chordeilles acutipenis) NA PRAÇA BARÃO DE ARARAS



Todo ano, entre o final do mês de Outubro e o princípio de Novembro, um grande número de pássaros, na condição de visitantes setentrionais abandona o inverno da América do Norte em busca do verão brasileiro. Dentre estas aves está uma espécie de bacurau, conhecido como bacurau norte-americano ou migrador (Chordeiles minor).  Na cidade onde resido, Araras, Estado de São Paulo, Brasil, estas aves são encontradas nas praças centrais, onde passam o dia, perfeitamente adaptadas ao conturbado ambiente urbano. Fazem deslocamentos coletivos ao pôr-do-sol, dirigindo-se para o leste, como que querendo apressar a chegada do noite, fugindo do poente, regressando logo depois, no escuro, como bem observou o ornitólogo Helmut Sick já falecido, em sua livro “Ornitologia Brasileira - Uma Introdução”. 

Abaixo, foto de novembro de 1991, na mesma praça, foto do finado Pérsio Galembeck Campos, encomendada por mim.



A árvore dominante nesta praça é a (Caesalpina peltophoroides, foto acima), conhecida popularmente como “Sibipiruna”, espécie muito comum na Mata Atlântica. Passam o dia repousando em seus galhos em posição contrária à da maioria dos pássaros, ou seja, no sentido do próprio galho, como que querendo se ocultar, estratégia comum entre as aves desta família. Ficam pousadas em galhos a partir de quatro metros de altura à sombra ou ao sol. Sua presença nestes locais não é facilmente notada, a não ser quando pousam em locais abertos ou saem voando ao crepúsculo ou no início de tempestades.

 
A observação mais relevante que fiz sobre esta ave foi em 16/1/1995 (foto), no centro da cidade. No início da manhã vi um destes bacuraus pousado no cano inclinado de um semáforo num local de tráfego intenso, e ali ele ficou até por volta do meio-dia. O curioso é que a ave não se mantivera pousada como o faz normalmente nas árvores, ou seja, no sentindo do longitudinal do galho, mas transversalmente como a maioria das aves. Pouco tempo depois passou para o cano oposto onde, sob sol intenso, ficou até o meio da tarde, quando procurou abrigo sobre a sombra da junção do cano onde repousava com o cano vertical que sustenta o semáforo; porém, com o deslocamento do sol, o pássaro voltou a ser iluminado. Nesta tarde, São Paulo teve o seu dia mais quente do ano após nove anos. A temperatura atingiu 42° centígrados, o que demonstra a enorme resistência que estas aves tem no se expor à luz solar direta. Convém lembrar que a cerca de 10 metros do semáforo havia o arvoredo da praça de uma escola. No mesmo local, em outra data, vi durante o dia, o que parecia ser uma destas aves pousada num fio elétrico como uma ave comum!

Um dia de chuva forte na praça principal, vi um bando de cerca de 22 destes bacuraus deixarem seus pousos e se dirigirem para o nordeste da cidade, mas devia haver mais indivíduos porque não pude visualizar todo o céu acima da praça.

.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

AVE QUE SE TORNOU FAMOSA NO BIG BROTHER BRASIL 2 APARECE NA FONTE LUMINOSA CONDE SILVIO ALVARES PENTEADO, NA PRAÇA BARÃO DE ARARAS



Desde já, afirmo que não sou fã de reality shows - aliás, detesto -, e se neste ensaio faço alusaõ ao Big Brother Brasil da Rede Globo, é apenasmente para comentar a ave em questão.

No começo da década de 1990, eu tinha num jornal local uma coluna que versava sobre as aves que vivem na zona urbana de Araras. De todas as aves que identifiquei neste meu levantamento, uma das que não fizeram parte da lista foi a ave conhecida como lavadeira-mascarada (Fluvicola nengeta), espécie de porte médio, da mesma família do bem-te-vi comum, que ainda não ocorria na zona urbana e mesmo no Lago Municipal. Calculo que deva haver cerca de 300 espécies ou mais de aves na zona central da cidade. Só para se ter uma idéia, nas “selvas de concreto” da cidade de São Paulo há 273 espécies identificadas!


Em junho de 2003, passando pela praça Barão, sempre observando as aves que ali existem, vi pela primeira vez, na borda da fonte luminosa Conde Silvio Álvares Penteado, uma lavadeira caçando insetos, isto sem nenhuma preocupação com as pessoas que passavam. Neste mesmo mês, reencontrei outra lavadeira, ou a mesma, já formando um casal, com um ninho edificado no alto de um pequeno pinheiro no jardim em frente a fonte, de onde veio à luz um único filhote. Um ninho semelhante no mesmo pinheiro, um pouco abaixo do citado, foi encontrado, talvez um indicio de que o ano passado ela já nidificara ali.


Mas que motivos levaram uma ave que normalmente vive em ambientes aquáticos a passar a freqüentar a zona urbana? A lavadeira-mascarada, pelo que se conclui, está entre as espécies de pássaros que tem tendência à sinantropia, ou seja, é uma ave que conseguem se adaptar sem grandes dificuldades ao ambiente alterado das cidades. Etimologicamente falando, sinantropia significa amigo do homem. A "relativa" semelhança da fonte luminosa com o habitat natural da ave, mais os fatores disponibilidade de alimento e arborização favorável, tornaram possível sua adaptação à esse “arremedo” de seu ambiente natural, mas ocorre que ela está freqüentado praças e outros locais onde não há água disponível como em seu habitat natural. . A ocorrência de determinadas aves paludícolas e de ambientes abertos na zona urbana, tem sido associada à “desertificação antrópica”, isto é, a destruição do seu habitat natural pelo homem. A tendência moderna de se promover a arborização de jardins e vias públicas com espécies de importância biológica, bem como imitar habitat selvagens é um fator relevante que facilita sobremaneira o adensamento populacional e fixação de algumas espécies de nossa fauna nos ambientes urbanos.



A distribuição desta ave é curiosa, pois existem duas populações muito distantes: é tida como originalmente ocorrente no nordeste do Brasil (forma nominal), bem como oeste do Equador e noroeste do Peru (F. n. atripennis). A população brasileira, antigamente restrita a açudes e rios no sertão e agreste da região nordeste, vem se expandindo. A Mata Atlântica, que aparentemente representava uma barreira natural para esta espécie, foi perdendo espaço para pastagens e culturas que se assemelham mais ao semi-árido do que à Floresta Umbrófila, possibilitando assim a expansão desta espécie. Outras explicações envolvem o aumento no número de rios represados no sudeste e mudanças climáticas. O fato é que esta simpática ave está sendo registrada cada dia mais ao sul. Na década de 1990 foram feitos os primeiros registros da espécie no interior de São Paulo, e atualmente já são registradas aves se reproduzindo em Santa Catarina. No Rio de Janeiro a lavadeira-mascarada começou a aparecer na zona urbana por volta de 1959 e no Estado de São Paulo em 1980. Mas o que venho comentar nesta matéria, não é sobre esse seu avanço para o Sul do país, e sim a sua ocorrência em zonas urbanas. Segundo o professor Francisco Manoel de Souza Braga da Unesp/Rio Claro, o ornitólogo norte-americano Edwin Willis, professor da mesma universidade (que tem estudos sobre expansão geográfica de aves de zonas abertas com a “desertificação” antrópica em São Paulo), comentou e registrou a ocorrência dessa espécie no lago do Horto Florestal de Rio Claro (SP) e áreas de entorno em 1991. Agora, 13 anos após Rio Claro, chegou a vez de Araras ser contemplada com a presença da lavadeira, mas com notável ocorrência e distribuição por toda a zona urbana da cidade.



O autor observou, em setembro de 2008 (Araras, SP), uma casal com um ninho num pé de mamão entrelaçado com uma roseira, instalado a cerca de 2 metros de altura, numa rua urbana em frente à uma praça bem arborizada, mas esta rua distava cerca de 300 metros de um curso d’água. Acima, foto do ninho, e, ao lado, um filhote no mesmo local, em janeiro de 2007. No entanto, cita-se que a ausência de corpos d'água próximos aos ninhos não é um fator determinate para a nidificação da espécie.



Mas, o que me levou também a escrever esta reportagem? Ocorre que um exemplar desta ave se tornou popular entre os brasileiros em 2002 após ganhar notoriedade no programa Big Brother Brasil 2. Uma das participantes deste reality show, a comissária de bordo Cida (foto ao final do texto), tornou a lavadeira-mascarada famosa ao se “relacionar” com ela, nas vezes em que a ave costumava aparecer para caçar insetos na piscina da mansão. Cida – uma versão feminina de Santo Francisco de Assis, o santo que conversava com as aves – dizia se comunicar mentalmente com a ave e, através dos “conselhos” dela decidia quem iria ou não para o paredão... Toda vez que Cida trocava confidências com a ave, outra participante, a jogadora Tina, surtava. Soa estranho o nome com que ela batizou a ave, “são jorge”, uma vez que a lavadeira também é conhecida por lavandeira-de-nossa-senhora no Norte e no Nordeste (Cida é carioca), mas será que o nome de santo se deva ao time Corinthians, que tem em seu uniforme as mesmas cores da lavadeira, preto e branco, time cujo padroeiro é São Jorge?

Brincadeiras à parte, a lavadeira-mascarada é ave protegida, inclusive por caçadores de pássaros, pois lhe é atribuída a lavagem das roupas de Nossa Senhora, daí este seu outro batismo; assim, quem a mata ofende Nossa Senhora. Reza o folclore que “Quem mata lavadeira tem cinco anos de atraso”... Olegário Mariano recolheu estas quadrinhas:


“Lavandeira, lavandeirinha,

Nos dias quentes de calor,

Lava nas águas do riacho

A roupa de Nosso Senhor

Lavandeirinha de asa preta,

Contigo eu vou lavar também

O vestido de chita pobre

Daquela a que eu quero bem.”


O folclorista Getúlio César recolheu no município de Leopoldina, Alagoas, junto de Sertãozinho, Pernambuco, a seguinte “incelença”:


“Uma lavandeira,

Um beja-fulô,

Lavava os paninhos

De Nosso Sinhô,

Quanto mais lavava Mais sangue corria,

Nossa Sinhora chorava

E o judeu sorria.”


O seu seguimento é “Uma lavandeira, dois beja-fulô...”, e assim vai até “Uma lavandeira doze beja-fulô.”


Eu seu excepcional livro, Canto de Muro, Câmara Cascudo trouxe um belíssimo texto, onde fala das intimidades da Lavadeira, da sua amizade com o bem-te-vi, além de revelar profundas minudências sobre essa curiosa ave. Vale a pena transcrevê-lo.


“Uma parenta amiga íntima do Bem-te-vi é a Lavadeira, Lavandeira como gostosamente o povo diz. Trata-se, gravemente, de um Tiranídeo, Fluvicola climasura, Vieill. Peque­nina, asas negras, as listas heráldicas da família prolongando-lhe os olhos, é a mobilidade, a volubilidade, a graça leve, fina, alada, graciosa sempre, familiar e doméstica, enchendo de agitação, de elegância natural, o silencio do canto do muro nas horas do dia.

Faz um ninho baixo, empregando materiais disparatados mas num arranjo pobre e simples que resulta emocional. Caça com uma técnica de minueto, correndo como se fosse atender a uma volta de pavana ao som dos violinos de Lully. Está por perto do tanque, banhando-se muitas vezes, um banho tão sumário, rápido e fidalgo que dá vontade perguntar a exata finalidade do ato, vaidade de exibição ou exigência de higiene em ritmo de segundos musicais.

Sempre perto do Bem-te-vi corre, volteia, sobe e desce a Lavadeira habitual. Como deglute insetos microscópicos e os faz num súbito arranco em linha reta, tem-se a impressão que está caçando raios de sol porque neles encontra, como em suspensão, a vida dos mínimos de que se alimenta. Exceto nas horas ardentes de verão quando faz a sesta como uma doce sinhá moça tropical na varanda da casa-grande, trabalha dia inteiro. Mas sua tarefa é um bailado com todos os jogos de elevação, piruetas e batidas que arrastam aplausos das samambaias e dos tinhorões hierárquicos. Não é possível que a Agilidade possua outra imagem e a Sedução melhor modelo.

Burla as exigências do equilíbrio e as leis da gravidade nos vôos espiralados, freados com as. asas abertas nas descidas imprevistas, as perpendiculares e os círculos descritos no ar como se não tivesse peso e apenas o atravessasse como uma luz e um perfume.

Nos jorros luminosos que descem através da folhagem a Lavadeira baila como se o rei Herodes Ãntipas a assistisse. Exigirá apenas alguns insetos que a luminosidade revelou aos seus dois olhos negros.

Em 1728, Nuno Marques Pereira já elogiava sua glória de bailarina:


Saiu de ponto a dançar

A Lavadeira, e mostrou

Era tão destra na dança

Que pés na terra não pôs.


Tem seu repertório melódico. Três ou quatro números de efeito. Gosto muito de um deles em que ela canta com as asas abertas, erguendo-se na cadência do garganteado incessante e oscilando o corpinho como se orasse numa mesquita oriental. É um duelo. Outra lavadeira está por diante, acompanhando a virtuosidade da execução, contracantando e repetindo o compasso da idêntica movimentação envolvedora.

É neste canto que a sua cauda negra e graciosa plagia a técnica das lavadeiras nos rios. Dai o nome que lhe deram os franceses e nós recebemos. A tradição afirma que ela lavou a roupa do Menino Deus.

Em certa distância o primo Bem-te-vi aprecia o quadro. Agora que o crepúsculo pinta de ouro e sangue a tarde vagarosa, as duas lavadeiras cantam, alternadas e uníssonas, numa claridade votiva, a despedida do dia e de suas tarefas que amanhã voltarão.

Do canto do muro, no alto, a cabeça triangular emergindo dos cachos ornamentais, Vênia muito naturalmente concordava com os aplauso...”

Em outro texto seu, Aves e pássaros no folclore brasileiro, publicado na Revista do Livro, nº19, Câmara Cascudo, se referindo à uma outra espécie de lavadeira, a Arundinicola leucocephala , mais conhecida como freirinha, escreveu o seguinte:

“Surpresa é dizer-se que a lavandeira, Arundinicola leucocephala, a tiranida vista em toda a parte, está no Index. Apesar de seus hábitos simples, de sua familiaridade, de suas visitas às calçada e cozinhas, de seus saltos e reviravoltas, a lavandeira não é boa peça. Se lavou a roupa de Nosso Senhor foi gesto único de bondade. Dá azar. Para anular seu inconsciente prestígio maléfico quando lhe derem de comer, especialmente se fiapos de carne-verde, não lhe dêem de beber. E vice-versa.”


Enfim, se a nossa lavadeira da fonte luminosa vai se tornar conselheira e atender as súplicas de alguém (os corintianos, por exemplo...) eu não posso garantir, mas convido o povo ararense a ir conhecer pessoalmente essa bela, pacífica e atrativa ave lá na praça Barão e conferir como a manutenção adequada de uma área verde dotada de ambientes aquáticos pode colaborar na atração e fixação de novas espécies de pássaros e outros animais no meio urbano, ainda que a nossa praça Barão esteja meio longe disso...




BIBLIOGRAFIA:

Contatar autor.


.

domingo, 20 de julho de 2008

PARDAL, 100 ANOS DE BRASIL?


Não se pode imaginar a paisagem brasileira sem presença do café, a cana de açúcar, o algodão, certas espécies de bambu, o capim colonião, a mamona e o eucalipto – plantas exóticas introduzidas que promoveram uma verdadeira “colonização da paisagem” no país, dando a inúmeras regiões naturais uma característica estética que originalmente não era a sua, e que a maioria da população, há muito, sempre acreditou ser. Quanto às aves introduzidas, o que dizer, então, do “onipresente” pardal – pássaro exótico que em 2006, segundo o consenso geral, completou 100 anos de Brasil, ave cuja vocalização está entre as mais ouvidas dentre os pássaros que costumam habitar as zonas urbanas?

“Pardo pardal por que palras?

Palro e sempre palrarei

Porque sou o pardal pardo

Palrador d’El Rei.”

(Travalínguas colhido em 1954)



No ano 1983, o filósofo carioca Nataniel Dantas escreveu na revista “Cultura” do MEC (Ministério da Educação e Cultura): “Os pardais (Passer domesticus L.) estão fazendo 81 anos de Brasil, sem que um poeta, um cronista ou os jornais digam alguma coisa”. Ele pode ter se equivocado na estadia do pardal em terras brasileiras, mas agora que chegamos ao provável centenário da introdução deste pássaro no Brasil, é oportuno discorrer sobre ele e suas implicações, que, por ser ave introduzida, é acusado de trazer problemas aos locais onde apareceu, fato que não impediu os mexicanos de transformá-lo em ave símbolo. Sabe-se de naturalistas que tinham verdadeira aversão ao pardal. m deles, o conservacionista e taxidermista Willian Hornoday, em sua “História Natural” escreveu: “Deixa-me molhar a pena em ácido corrosivo; ferve-me o sangue ao pensar que devo escrever seu nome!”. O pardal é citado até mesmo na Bíblia em alguns salmos (84; 102). Nelson Vainer cita a famosa a história de Frederico Guilherme II da Prússia, o Grande, Rei da Prússia (1740-1786) “que, irritado contra os pardais, estipulava um prêmio de seis cêntimos pela cabeça de cada pardal morto. Resultado: a destruição desta ave foi rápida e os insetos, livres desse de seu terrível inimigo, atacaram de tal forma as culturas a ponto de as árvores frutíferas nem sequer chegaram a dar folha. Outro resultado: o mesmo monarca, certo que cometeu outro erro gravíssimo, revogou o seu decreto e estipulou outro preço – a importação de pardais!”

No Brasil é personagem de lendas de cunho religioso ou não. Seu nome foi popularizado entre as crianças brasileiras na figura do personagem de histórias em quadrinhos, o Professor Pardal, criado por Carl Barks para os estúdios de Walt Disney em 1952, cujo nome nos EUA é Gyro Gearloose, uma gíria, algo como a popular expressão “fora do cabo”. Na realidade, este personagem não é um pardal, mas sim um frango...

No Brasil, se tem introduzido aves exóticas desde os tempos coloniais. Com fins ornamentais trouxeram o pombo doméstico (Columba livia doméstica), os galináceos (Phasianidae) como provisão alimentar, e até aves com a finalidade de se combater pragas naturais, como o próprio pardal, e, em alguns casos, a introdução foi acidental, como aconteceu com o bico-de-lacre (Estrilda astrild). Pelo que leremos a seguir, poder-se-á constatar que o pardal adquiriu cidadania plena na Terra Brasilis, não honorária, naturalmente...

DISSEMINAÇÃO

É consenso que o pardal surgiu no Velho Mundo já no período Terciário, entre 65 e 2 milhões de anos atrás. A diáspora desta ave, pertencente à família dos Ploceídeos é impressionante: sua disseminação se deu a partir das regiões de entorno da Europa e da Ásia, invadindo, em seguida, a África. Foi introduzido na Austrália, Nova Zelândia, na América do Sul e na do Norte, aonde chegou primeiro a Cuba (1850), depois aos EUA, no ano seguinte, quando 100 pássaros foram soltos em Brooklyn, Nova Iorque. Hoje, a presença do pardal é garantida em quase todos os países do mundo, o que lhe caracteriza como uma éspecie exótica e bioinvasora. A bioinvasão é a chegada, o estabelecimento e a expansão de uma espécie exótica em um local onde não é o seu habitat natural historicamente conhecido, resultante de dispersão acidental ou intencional por atividades humanas (Carlton, 1996). Hoje é encontrado até mesmo no Pólo Norte ou nas estepes geladas da Terra do Fogo (foto) e na Argentina (1872). Consta que o pardal, por seu alto grau de especialização e grande potencial biótico para a vida em um novo meio, dobrou, durante cerca de um século, sua área de distribuição geográfica mundial como resultado de sua introdução, ora intencional, ora acidental, habitando atualmente mais de um quarto do globo, sendo considerado, numericamente, a segunda ou terceira ave do Mundo, tendo à sua frente a galinha doméstica, seguido pelo estorninho (Sturnus vulgaris). Como ave sinantropa, é imbatível, e ao contrário da África, por exemplo, não existem espécies congêneres de exigências bióticas semelhantes. É considerado pássaro com alto quociente de inteligência, estando sempre alerta e desconfiado, inclusive não se deixando domesticar. Sentindo ameaçado, foge imediatamente, estratégia que o tornou ave privilegiada dentre todas no que diz respeito à autodefesa.

NO BRASIL

Não se sabe com precisão quando o pardal veio para cá disputar os beirais de telhados com as residentes andorinhas, e há diversas versões sobre sua introdução no Brasil. Entre as versões mais aceitas destacam-se duas: uma, é a que diz que o engenheiro e prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos, autorizou, em 1903, a soltura de exemplares provenientes de Lisboa na região de Campo de Santana. O renomado ornitólogo Helmut Sick cita história algo semelhante, e, assim como Werner Bokermann, dá a data de 1906, e diz que foi Antônio B. Ribeiro, que trouxe de Leça da Palmeira, Portugal, 220 exemplares, para soltá-los na mesma região carioca com a aprovação de Passos, e acrescenta que “alegaram colaboração de Oswaldo Cruz na sua campanha de higienização da cidade, pois os pardais eram considerados inimigos dos mosquitos e outros insetos transmissores das enfermidades que grassavam no Rio”. Curiosamente, o professor Manoel Pereira de Godoy, ex-funcionário do CEPTA, de Pirassununga, em seu livro Contribuição à História Natural e Geral de Pirassununga(1974), citando Helmut Sick, num dado extraído da publicação Zoologia - Boletim do Museu Nacional do Rio de Janeiro, No 207, página 8,diz que “o Prefeito Pereira Passos mandou uma pessoa buscar 200 casais de melros... e trouxe pardais!”.


Na verdade, o pardal se alimenta basicama vacinação em massa, a situação já estava sobre controle e havia apenas 9 casos de febre amarela. A iniciativa de Pereira Passos teve também um conotação simbólica – o prefeito achou que os pardais iam “tornar o rio mais atraente”, fixando não só na terra como nos ares a imagem da civilização que ansiava. Segundo a professora Maria Ercília do Nascimento, por ser pássaro comum nas grandes capitais européias, o pardal foi associado à modernidade e ao progresso. Além destas duas versões, há outras, como a que atribui a um negociante português sediado no Rio Grande do Sul, a encomenda do primeiro casal, e mesmo ao jornalista Assis Chateaubriand, que os teria trazido de Paris para auxiliar as URBs brasileiras. Outra ainda, cita que foi o engenheiro e jornalista Garcia Redondo quem mandou vir pardais da Europa, e, considerando-os “muito proveitosos, sendo insetívoros por excelência”, soltou-os no Rio, em setembro de 1907.


Cita-se que no Recife, os minúsculos insetos conhecidos popularmente como “lacerdinhas”, Gynaikothrips ficorum (Marchal, 1908), infestavam figueiras ornamentais da espécie Ficus retusa (var. nitida Thumb.), do Parque 13 de Maio, e traziam problemas às pessoas que passavam por sobre estas árvores nas horas quentes do dia, caindo-lhes nos olhos, provocando forte irritação com o líquido cáustico que expeliam. Inicialmente cogitou-se de exterminá-los através de fumigação, mas constatou-se que o procedimento seria nocivo às árvores. Não se têm informações precisa sobre quem sugeriu a introdução de pardais neste parque como forma de se erradicar os “lacerdinhas”. Comenta-se que o primeiro casal a entrar no Recife (1964 ?), eram provenientes de Santos, trazidos por um Português. Em 1979, a Prefeitura do Recife, anunciou pela imprensa que iria acabar com a “praga de pardais”, mas temendo a polêmica que tal medida poderia gerar, desistiu de levar a empreitada adiante. Há registros de que estes insetos surgiram no Brasil em 1961, vindos da Ásia Oriental, invadindo, a partir de então, diversos estados brasileiros. Helmut Sick, em seu livro Ornitologia Brasileira, 1997, faz um amplo e minucioso apanhado com localização e datas sobre a disseminação do pardal no Brasil.


Em 5 de abril de 1914, num artigo publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, Rodolpho von Ihering, então assistente do Museu Paulista, atacava violentamente o pardal e sua importação. O professor acusa o pássaro estrangeiro de granívoro e, portanto, destruidor de lavouras. Ressalta ainda o fato do pardal afugentar os úteis pássaros nativos como o tico-tico (comedor de insetos), a corruíra, os anus, os bem-te-vis e as tesouras. Citando um relatório norte-americano sobre a nocividade do pardal, Ihering pediu imediata caça e destruição da ave. Mas Nelson Vainer cita que, mais tarde, Ihering também fora realista com a situação, do qual transcreveu: “Apesar de sermos inimigos declarados desta ave estrangeira (...), devemos agora incluí-lo no rol da nossa fauna, pois em vários pontos do país já se acha o pardal acimado, de forma a não mais podermos nutrir a esperança de um dia vê-lo desaparecer.”


A introdução deliberada de animais, feita sempre sem nenhum estudo científico levando em conta seu impacto, é praticada em todo o planeta e em todas as épocas. Mesmo assim, são imprevisíveis suas implicações, pois nunca se sabe se uma espécie exótica virá a se tornar praga, seja por competir com as espécies nativas, seja comprometendo o meio ambiente e o próprio ser humano. Eurico Santos, denominando-o “calamidade de pena e bico”, acusou o pardal de atacar a corruíra (Troglodytes aedon) e o tico-tico (Zonotrichia capensis), chegando mesmo há afirmar que não havia mais corruíras nos litorais e havia rareamento de tico-ticos. Uma publicação no Nordeste, sob o tema ecologia, apresentou-o como “mau caráter”. Herman von Ihering, afirmando que todas as suas credenciais são negativas, definiu-o como “briguento e egoísta”. A má fama do pardal chegou mesmo a ser cantada em uma marcha lançada no Carnaval de 1948 (Continental, 78 rpm), pelo grupo “Namorados da Lua”, do qual o cantor Lúcio Alves fazia parte.

Há relatos antigos sobre matanças de pardais na Europa. Thomas Keith em O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1988), diz: “Quanto aos pardais, a mesma paróquia (Deeping St. James, Lincolnshire) viu, entre 1764 e 1744, a destruição de cerca de 14 mil, mais 3500 ovos. Freqüentemente, esses troféus eram expostos nos adros das igrejas ou pendurados no estábulo – que Gilbert White (The Natural History of Selborne. 1788, carta para Pennant) chamava ‘o museu do campônio’.”. EM outra passagem menciona: “No começo do século XIX na Inglaterra, o foco deslocou-se novamente e houve uma proliferação de clubes suburbanos de pardais, cujos membros competiam para ver quem matava maior número dessas aves”.

O escritor Sergio Milliet cita que, por volta de 1810, a Câmara de São Paulo insistia sobre a urgência da matança em massa dos tico-ticos e viras, considerados altamente prejudiciais às lavouras. Mais, tarde, em 1820, um edital (Reg. Geral XVI, 119) mandado publicar em todas as freguesias, estabelecia um limite de 24 assassínios para cada “cabeça de casa em particular” e uma multa de 1$200 “contra aquele, ou aqueles, que assim não cumprirem”. Milliet menciona também que os “pássaros continuaram a viver e proliferar, com exceção do pobre tico-tico, hostilizado pelo pardal, que outro administrador entusiasta introduziu no Brasil”.

No município baiano de Souto Soares, em janeiro de 1994, o Centro de Recursos Ambientais da Bahia tentou dar cabo de uma praga de pardais que invadiu a cidade com a ajuda de dois gaviões carijó (Buteo magnisrostris) e quatro caracarás (Polyborus plancus), considerados predadores naturais destas aves. O biólogo Geraldo Aquino, que levou as aves do zoológico de Salvador até a cidade, afirmou que este é um tipo de controle de praga biológico e eficiente. “Um sobrevôo das aves predadoras já é suficiente para espantar os pardais da zona urbana”, citou. Como “pagamento”, as aves ganharam a liberdade.

Em todo o planeta há relatos de competição de aves autóctones com alienígenas, geralmente sempre em detrimento das primeiras. Todas as espécies translocadas que têm se adaptado à novas situações ecológicas, ou se apoderaram de um nicho disponível – o que é bem pouco provável na maior parte dos casos – ou tomaram-no das aves residentes. No caso do Brasil, Sick assevera que ele “encontrou um ‘nicho’ aberto” e sua introdução foi mais artificial do que natural, e houve mesmo quem, se aproveitando do fato de que ele era desconhecido entre as populações do interior, chegou a negociá-lo como ave de gaiola, situação em que o pardal chega a viver 23 anos.


ALIMENTAÇÃO, CARACTERÍSTICAS E PROCRIAÇÃO


Gregário por excelência, seus bandos podem atingir até meio milhar de exemplares. Como não se bastasse a sua onipresença e alta capacidade sinantrópica (adaptação às zonas urbanas), o pardal é onívoro e se alimenta de tudo o que lhe seja possível comer. Sick cita que “é extraordinário como o pardal descobre sempre novas fontes de alimento graças à observação atenta, verificando logo se há vantagem de um novo prato”. Surpreendentemente, em março de 1971, o pardal foi encontrado no Atol das Rocas, ilhas situadas a 250km do continente. Convém ressaltar que neste atol não há água potável e os dois exemplares encontrados – um casal – estavam em péssimo estado. Sobreviveram comendo beldoegra-da-praia (Portulacaceae?) e minúsculos crustáceos conhecidos por “pulgões-da-praia”. Em 1985 foram encontrados 16 exemplares saudáveis, o que denota a alta capacidade adaptativa deste resistente pássaro. O jornalista Nóbrega da Cunha relatou, em pesquisa publicada na revista “O Campo”, uma experiência que sobre a voracidade do pardal. Em um sítio seu em Jacarepaguá, plantou um lote de sementes de um sorgo norte-americano. Em sua experiência, documentada com fotografias, ele menciona que foram devorados 95% dos grãos. Não é consenso geral que o pardal cause prejuízos em hortas e pomares, danificando sementeiras e brotos de mudas de árvores, bem como culturas diversas. Há, porém, estudos comprovando que ele tem preferência pelo arroz, seguindo-se o milho, hortaliças, grãos e frutas.


Apesar de ser pássaro muito conhecido, muitos o confundem ainda com o igualmente popular tico-tico. O macho distingue-se da fêmea (pardoca) por seus tons castanhos mais escuros, possuindo uma coroa cor de chocolate e o bico escuro. Destoa da parceira também pela larga gravata preta no peito e pelo filete castanho-avermelhado que se estende dos olhos à nuca, mais escuro nele. Chamam também a atenção duas listas brancas na coberteira das asas.


À cada estação de acasalamento, o pardal, que é monógamo, procura uma pardoca que esteja próxima para procriar. Eurico dos Santos menciona que um tal de Clark matou as fêmeas de um casal de pardais do dia 25 de março até 1o de junho, e, em princípios de junho o macho já estava com sua quinta fêmea. Os ninhos, enormes em relação à ave, são construídos entre fevereiro e maio. Os lugares para a construção do ninho são os mais diversos, como em vãos de forros de telhados, buracos em edifícios e muros, estruturas de semáforos, campânulas de luzes urbanas, ocasionalmente o fazendo em ocos de árvores e coqueiros, etc. A verticalização das grandes cidades não é favorável à sua acomodação e acarreta seu declínio populacional. Cita-se também que a umidade excessiva exerce influência negativa no pardal e, fato comum, são muito frágeis à temporais e chuvas de granizo. Atualmente, se vê ninhos de pardais até mesmo no emaranhado das fiações elétricas improvisadas nas favelas do país, as populares “gambiarras” (foto). Uma vez pronto o ninho, ele se exibe à companheira eriçando a penugem negra do pescoço. Se isto a seduzir, ela entra no ninho e ambos estão prontos para constituir família. O ninho é macio no interior, forrado de vegetação seca, penas, fios de cordas e papel, porém, bastante desleixado no lado externo, onde já se encontrou até fios de cabelo. No Rio de Janeiro, na época de carnaval, o pardal costuma forrar o ninho com confetes. De um a cinco ovos são postos, e ambos podem incubá-los, revezando em períodos pequenos de alguns minutos cada, com incubação durando até 14 dias. A taxa de mortalidade dos filhotes em seu primeiro ano de existência é alta, mas há referências de que a procriar até três vezes por ano. Eurico dos Santos menciona que um certo Th. Bisschop retirou do ninho de um pardal os ovos, cada vez que eram postos, e, no transcurso de 4 meses, obteve 29 ovos. O mesmo menciona que o pardal, às vezes, se apodera de ninhos de andorinhas e joões-de-barro. Sick menciona que também se aproveita de pombais.


PREDADORES


Muitos falcões e corujas (suindara, Tyto alba) caçam o pardal. Já gatos, cachorros, ratos, gambás (Didelphis sp.), morcegos (Desmodus rotundus) e muitas espécies de serpentes se alimentam de seus filhotes e ovos. Cita-se um caso, que em Rio Claro/SP, “revelou perspectivas de vir a ser controlado pela comuníssima ave parasita brasileira, o chupim, Molothrus bonariensis”, mas, na realidade, todos estão muito aquém de exercer controle populacional sobre o fecundíssimo e “imperialista” pardal. No rio Grande do Sul, o gavião chimango, Milvago chimango, bem como o anu-branco, Guira guira, foram vistos saqueando ninho de pardais.

O pardal, no que tange ao tema “aves nocivas ao homem”, não chega a ser pior que outras aves residentes com características semelhantes (vide caturrita, o próprio chupim, etc), aliás, o também exótico pombo-doméstico tem se mostrado bem mais nocivo que o pardal. Seus ninhos podem abrigar o barbeiro, percevejo transmissor da doença de Chagas, e, tempos atrás, foi realmente confirmada no pardal a presença de Toxoplasma gondii, micróbio causador da toxoplasmose, mas não há relatos de epidemias. Werner C. A. Bokermann, biólogo do zoológico de São Paulo, diz que ele é responsabilizado pela transmissão da bouba, virose comum a aves domésticas. Apesar de ser acusado de competir na alimentação com canários-da-terra ou afugentar pássaros como as andorinhas e corruíras, desalojando-os de seus ninhos, o fato não chega a constituir um problema sério. O pardal também tem seus pontos positivos: há relatos de que, em época de reprodução, destrói quantidades consideráveis de insetos em plantações, e colabora com a limpeza das cidades se alimentando de resíduos e lixos domésticos. Não há mais nada o que se fazer para se erradicá-lo do país, talvez seja mesmo desnecessário. Helmut Sick chegou mesmo a considerá-lo “inexterminável”, mas não se sabe com precisão se a situação é irremediável. Em 1972 foi proposto a “Semana de Combate ao Pardal”, campanha que acabou não vingando. Assim como as cobras, o pardal veio a se tornar vítima de propaganda injusta, baseada apenas nas opiniões nem sempre corretas do senso comum, com direito ao primeiro lugar no pódio de animal nocivo pela Portaria no 1 de 5-1-1957. É oportuno relembrar o escritor Vivaldo Coaracy: “Não haverá nisso muito preconceito, talvez até um pouco de xenofobia, por ser o pardal ave importada?”.

Gustavo Pacheco, membro do OAP - Observadores de Aves de Pernambuco, comentou:“Certamente, se um dia acontecer de todas as espécies nativas abandonarem os centros urbanos, ficará o fiel pardal para nos consolar”. Curiosamente, na obra de ficção científica “A Máquina do Tempo” (1869), o escritor H. G. Wells, menciona a existência de pardais no ano de 802.701. Caluniado como é, só restaria ao “raçudo” pardal o reconhecimento de granjear, tal como as baratas, a fama de antediluviano – per omnia saecula saeculorum...


BIBLIOGRAFIA

Contatar autor.



INTERNET

www.sombras.com.br/lucio/lucio.htm

www.saudeanimal.com.br


– Foto P&B do pardal nas fiações elétricas: Robson Fernandes. O Estado de São Paulo, 2003.

.