terça-feira, 4 de maio de 2010

“THE GENIUS OF JIMI HENDRIX” – UM DISCO DIVISOR DE ÁGUAS

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Carlos Lopes, do site Rock Express, analisando a caixa com quatro CDs e 56 faixas, lançada em setembro de 2009, escreveu: “Ao escutar esta caixa de pandora que é The Jimi Hendrix Experience, a primeira pergunta é: o que aconteceu com Hendrix "Marbles" (seu apelido à época) no verão de 1966? A caixa responde?” Lopes diz que não; e, na verdade, essa fase anterior à ida de Hendrix para a Inglaterra não é muito comentada tampouco analisada como deveria, que é o que pretendo fazer nesta matéria, lançando algumas luzes sobre este seu período relativamente obscuro. (Na foto, Hendrix em 1966, período de que trata esta matéria).

Então, caros amigos músicos amantes da arte da guitarra, para começar, vou fazer uma pergunta aqui que talvez seja desnecessária: Vocês já ouviram o disco “The Genius of Jimi Hendrix”? Se não, aqui terão motivos para buscar esse disco e analisá-lo como, acredito, ele merece.

Antes de mais nada - e sem querer parecer arrogante -, para se entender o que quero passar com essa matéria, é importante saber de antemão qual era o nível virtuosístico e capacidade inovadora dos grandes guitarristas de rock da época, mais especificamente no ano de 1966 e até antes, bem como saber contextualizar a guitarra em épocas passadas. Desse modo, os parâmetros modernos tem que ser cuidadosamente dosados nas comparações (ah, a eterna "praga" Hendrix versus Slash!...).


Originalmente, "The Genius of..." foi lançado nos EUA em 1973 pela Trip Records, e no Brasil em 1976. O disco foi relançado aqui em CD há uns 5 anos atrás. Desconfio que este disco – que não é tão conhecido entre os fãs de Hendrix – tem (ou deveria ter) uma importância fundamental na carreira de Jimi, não só pelas inovações que trouxe, mas por ser uma peça-chave em sua trajetória, em especial na sua fase de pré-estrelato. No entanto, ele não é um disco oficial de Hendrix, mas apenas um bootleg trazendo uma coletânea de sessões feitas com a sua primeira banda, o The Blue Flames e outras acompanhando outros dois artistas. (Na foto Hendrix, na época do exército, com sua primeira guitarra, uma Supro Ozark). O disco, apesar de nas primeiras audições parecer mais um desses caça-níqueis mal gravados – uma dessas várias gravações ruins que foram lançadas no mundo todo por oportunistas –, é um item que merece uma melhor atenção dos hendrixmaníacos e estudiosos de sua arte. Aliás, quando se fala em Hendrix na fase anterior à sua ida para a Inglaterra, onde explodiu, só vemos discos mal gravados e ele tocando um material que está muito aquém da arte pela qual ele viria a se tornar conhecido – em suma, são aqueles discos que, em termos, só “queimam o filme” de Jimi ante os novatos, só se prestando mesmo à colecionadores curiosos de sua carreira – posso dizer até infeliz daqueles que conheceram Hendrix através desses discos, pois eles, em sua grande maioria, “mentem” sobre a sua genialidade. (na foto, Hendrix, como um aspirante de Pelé da guitarra...)

Voltado ao “The Genius of...”, particularmente, de todos os cerca de 30 vinis e CDs que tenho de Jimi, este para mim tem uma importância especial. Foi através deste disco que vim a conhecer realmente quem era Hendrix - desde que o ouvi pela primeira vez, a verdadeira mágica de Hendrix aconteceu para mim. Foi numa situação inusitada: eu estava num feriado num rancho às margens do rio Mogi Guaçú em Cachoeira das Emas, Pirassununga/SP, e um amigo levou uma fita cassete com essa gravação – resultado: fiquei quatro dias ouvindo-a sem parar, embasbacado, abestalhado, não crendo no que ouvia. (na foto, Hendrix em 1962, no exército).



Foi numa época em que eu que estava começando a aprender a solar uma guitarra, então o disco caiu como uma descoberta sensacional. Desde então, por estas duas gravações, tive a intuição de que era um disco especialíssimo, o que procuro confirmar hoje com esta matéria. Abaixo, Jimi Hendrix e Billy Cox nos tempos do exército.



Para obter maiores informações sobre o disco, andei vasculhando sua vida neste período – entre 1964 e 66 –, época em que ele tocou e gravou com muita gente. Nesta matéria, acho interessante debater os motivos que levaram Hendrix até a Inglaterra, onde ele aconteceu como grande artista, assunto que os blogs nacionais não entram muito a fundo, ao que me parece. (na foto abaixo, Jimi com o The Isley Brothers, empunhando uma Fender Duo-Sonic, 1964). Tenho toda a certeza que essa gravação é uma peça-chave para entender esse processo. Para afirmar a vocês que posso ter razão no que digo, baixei os dois CDs “Jimi Hendrix -1964-1966 - Jimmy James Singles” e analisei música a música, e concluí também que nenhuma delas revela quem era o verdadeiro Hendrix no período, pelo menos o Hendrix que viria a explodir em terras britânicas. Dessas gravações, o que se constata também é que os artistas que Hendrix acompanhava seguravam a sua rédea, impedindo-o de usar a guitarra como gostava e sabia, ou seja, com muita distorção, alavanca e feedback, e dentre todos, só o Curtis Knight é que lhe abriu um pouco a porteira para ele dar vazão às suas “loucuras” (foto, ao vivo com Curtis Kinght, no clube Cheetah). A gente ouve essas gravações compiladas em “Jimmy James Singles” em 1966 e não acredita que é o mesmo Hendrix de “The Genius of...” – na maioria das músicas os artistas podaram o músico até onde puderam, sequer deixando espaço para ele fazer um mero solo. . Mas, pensando, bem, eles até que não estavam errados não, porque se o permitissem, já se sabe o que poderia acontecer... (Jimmy com Curtis Knight & the Squires, New York, 1965, usando "shaded sunburst" Duo-Sonic). A propósito, no disco “Jimi Hendrix -1964-1966 - Jimmy James Singles” Hendrix acompanha os seguintes artistas: Rosa Lee Brooks, The Isley Brothers, Don Covay & The Goodtimers, Little Richard, Curtis Knight (foto, disco lançado com a a banda), Curtis Knight & The Squires, Jayne Mansfield, Ray Sharpe com The King Curtis Orchestra, The Atlantic Sounds, The Icemen, Jimmy Norman, Lonnie Youngblood, Billy Lamont, Frank Howard & The Commanders, Owen Grey e, acreditem, Aretha Franklin!

O caso mais polêmico de Jimmy tocando numa banda, e sofrendo por não poder fazer tudo o que sabia na guitarra, se deu o então ídolo Little Richard, que detonava o guitarrista toda vez que ele avançava o sinal. Jimmy tocou com ele à partir de janeiro de 1965.

“Às vezes Jimmy se rebelava; era irresistível, ele não sabia explicar, as notas coçavam nas pontas de seus dedos, exigiam uma subida, ali onde Little Richard não esperava, um lamento, um toque na alavanca de sustentação, um... Richard fuzilava com os olhos, no palco, depois descarregava, no camarim: "Seu filho da puta, sou eu o patrão. EU, EU, O MAIOR, O REI DO ROCK'N ROLL, está entendendo? Só eu, EU posso brilhar!"

Num depoimento, o próprio Jimmy comentou o caso acrescentando outros senões:

"A razão pela qual eu sai não foi só por desentendimento monetário, mas porque Little Richard não me deixava usar camisas com babadinhos no palco, só aquelas roupas de seda que brilhavam. Ele me disse: 'Eu sou o único que pode estar bonito'".


Sobre este seis meses que Jimmy tocou com ele, há um caso que deve ter enfurecido pacas o vaidoso "Ricardinho": "Num desses shows, Jimmy é assediado violentamente pelas fãs, que o confudem com Little Richard"...



Veja este vídeo, de um filme sobre Hendrix, de 1973, em que Little Richard dá o braço a torcer após o sucesso de Jimi:

Voltando ao disco "The Genius of The Jimi Hendrix", encontrei isto na internet:

“This LP gathers nine pre-Experience recordings from 1966, some of which find Hendrix singing lead (including the 12-bar blues items 'Red House' and 'Peoples Peoples') and some of which find him working as a featured sideman for saxophonist/vocalist Lonnie Youngblood. 'She's a Fox' and the James Brown-ish 'Sweet Thang' are pure 1960s soul, whereas Hendrix's forceful, crunching, noisy guitar playing on the instrumental 'Lime Lime' could easily be described an example of early heavy metal. For the collector, a record like The Genius of Jimi Hendrix is quite interesting –although Trip's failure to list all of the personnel or provide any liner notes brings its rating down."


Eu aprendi a gostar do Jimi e a fazer solos de blues ouvindo exaustivamente este “The Genius of...”, em especial as versões de “Red House” e “People, People”, que são ótimas! (na foto, Jimi Hendrix e Billy Cox com os The King Casuals, 1962) Aliás, essa versão de “People, People” é tão boa quanto a clássica versão “C# Blues (People, People, People)” ao vivo, do disco “Experience”– o do filme –, do show de 18-2-1969, em London, Inglaterra. Aliás, é surpreendeente notar como as duas versões são distintas e belas, e chegam até a nem parecer a mesma música; nisto, está também a genialidade de Hendrix - a de recriar uma mesma música através do improviso. Quanto a “Red House”, ela tem uma levada e um arranjo diferente de todas as outras que se ouve em outros discos, aliás, é a minha versão predileta, pois é meio rhythm blues, suingada, e, pensando bem, é uma grande pena Jimi não ter mantido esse arranjo, pois assim ele "disfarçaria", ou fugiria um pouco do padrão comum e "enjoado" do blues "12 bar" (na foto,com King Curtis, 1965). Ouça "Red House" no disco "Are You Experinced?", e depois esta, e você vai concordar que é esta versão que devia estar no disco oficial. Ela é simplesmente animalesca! Aliás, no último dia de gravação do primeiro disco do Experience, em 13 de dezembro, que durou dois dias, Chas Chandler insistiu para que Hendrix desistisse de gravar "Red House" (existe uma mixagem onde esse pedido está registrado para a posteridade a fim de que ninguém possa negar) e ele acabou concordando porque estava mais interessado em novidades mesmo do que ficar tocando uma forma "tradicional" de blues. O fato é que a versão de "Red House" no LP inglês (ela não entrou na versão norte-americana) alavancou o álbum inteiro à categoria de "maestria de guitarra" com a técnica aprimorada de execução empregada na mesma música.

O uso da alavanca, o sustainer da guitarra e a velocidade dos solos – levando-se em conta o que rolava de inovador na época – são incríveis em ambas as músicas. Na minha opinião, a impressão que se tem é que nunca Hendrix solou tão bem como nessas gravações – ele estava muito à frente de seu tempo! (Na foto, Hendrix e Wilson Picket, maio 1966). Com muita probabilidade, ninguém até então havia tocado blues dessa maneira, tão suja, tão agressiva e tão rápida como ele. Pode-se até imaginar que o Hendrix era bastante "tesourado" pelos artistas que acompanhava, e por isso mesmo tocava meio reprimido, e quando ele podia tocar sem amarras alguma, com raiva ele abria as comportas e soltava seus demônios, o que é o caso do disco em questão.

Abrindo uma aspas aqui, por volta de 1987, o guitarrista Buddy Guy fez um show no Palace em São Paulo – foi a única vez em minha vida que vi alguém tocar algo próximo do que Hendrix fez em “The Genius of...”. E vale ressaltar que o show de Buddy foi um arraso, estonteante! (na 2 fotos, Jimi Hendrix no Isley Brothers, com uma Fender Jazzmaster, em maio de 1965). O que se constata ao ouvi-lo é que, em 1966, Hendrix já estava mais do que pronto para o sucesso mundial. Aliás, amps Marshall de Hendrix eram envenenados por seu engenheiro de som porque ele queria o som de Buddy, só que bem mais alto... Jimi era grande fã de Buddy Guy, à ponto de que quando ia aos shows de seu ídolo, levava um gravador e se sentava na primeira fila para gravar suas estonteantes performances e truques para tirá-los em casa depois. Sobre uma dessas passagens, Buddy comentou:

“Cover Guitar: - Como foi o encontro com Hendrix?
Buddy: - Uma vez, meu empresário veio correndo ao meu camarim depois do show, gritando que Hendrix estava na platéia e queria me ver. Eu apenas disse: ‘Quem é esse cara?’, eu nem sabia quem ele era... Jimi entrou no camarim, muito humilde, e me pediu desculpas por roubar um monte de meus licks... Disse a ele que tudo bem, que não me importava. O mais curioso é que existe uma fita de vídeo caseira deste show, onde dá para ver Hendrix na platéia, balançando as pernas e segurando um pequeno gravador nas mãos. E não é que o f.d.p. estava me roubando mesmo? (gargalhadas)”


Em uma antiga entrevista, Buddy contou de uma conversa com seu filho:

“Meu filho começou a tocar guitarra, e me perguntou o que devia ouvir. Eu disse: ‘Ouça Hendrix!’ Ele viu um show do Jimi na TV. Nesse show, Hendrix disse que aprendeu muito comigo. Meu filho começou, então, a ouvir meus discos!”


Aqui, as duas pérolas de "The Genius of Jimi Hendrix":

- "Red House" (18.60 MB). Baixe aqui:



- "People, People" (17.71 MB). Baixe aqui:
Para quem quiser baixar todo o LP da Internet aqui vai um link:

Há outras músicas boas no disco, como os dois souls “She’s A Fox” (acompanhando The Iceman) e “Sweet Thing” (com Billy LaMont) – que, aliás, constam de “Jimmy James Singles”, inclusive, vale a pena ouvir “She’s A Fox”, pois nela usa (de leve) a mesma técnica de “Little Wing” e os tais alto-falantes rotativos (caixa Leslie), mas as que importa mesmo nesta análise que faço são as duas citadas, cada uma abrindo um lado do disco. Uma pergunta que fica é porque as outras músicas de “The Genius of...” não entraram nessa coletânea “Singles...” – será porque esses dois discos só reuniram músicas em que Hendrix era músico acompanhante de outros artistas? Talvez. Porém, essas músicas excluídas muito provavelmente sejam músicas da banda de Jimi, o The Blue Flames (foto acima), banda formada em agosto de 1966(após abandonar o Joey Dee & The Starliters) e que durou 3 meses, até que Hendrix partisse para a Inglaterra (foto: Jimi com Curtis Knight). Ouvindo recentemente outro disco disco da época, o “Live Cheetah” (1965/66), com o Jimi Hendrix tocando na banda Curtis Knight and The Squires, notei que há músicas que cairiam melhor em “The Genius of...”, pois ambos os discos são gravações muito próximas, lembrando que o Curtis, apesar de "segurar" Jimi no que diz respeito ao uso de distorção, às vezes dava toda a corda àquele que ele chamava de “guitarrista muito talentoso”, permitindo que tocasse dois números instrumentais em cada show. Fayne Pridgeon costumava dizer o mesmo a Jimi, quando ambos faziam amor (na foto, na banda de Curtis Knight). Ouça esse disco neste link, que também é um bom exemplo do que o Hendrix estava tocando na época:



Quanto ao “The Genius of...”, ele foi gravado em 1966 em Nova York, no Abtone Recordings Studius. (na foto, Jimi com os The King Casuals, 1962). Não há informações de quem o acompanhou, mas há um baterista (Danny Casey?), um baixista [Jeff Baxter ou Randy "Texas" (Palmer)?], um gaitista (Lonnie Youngblood?) e um outro guitarrista, talvez o Randy California (Wolfe). O baterista até que manda legal, mas esses três últimos são músicos medianos. O baixista, aliás, comete um erro hilário na entrada de “People, People”: o Hendrix faz a abertura usual, mas a hora que acaba sua parte, surge o baixo completamente perdido, descontrolando Jimi , que para de tocar, e, em seguida, o “orienta” como fazer certo, e parece dar papinha na boca do baixista, tocando nota a nota... Jimi acompanhou muitos artistas nesse ano – por exemplo, em janeiro, entrou para a banda do saxofonista King Curtis onde tocou por meio ano, e realizou uma gravação que hoje se encontra desaparecida. (Na foto, Jimi causando furor com os Isley Brothers.)


A importância de “The Genius of...” reside também no fato de que Hendrix faz os vocais (nas músicas com o The Blue Flames) – talvez suas primeiras gravações solos como vocalista –, ressaltando-se que ele já se mostrava um inspirado cantor, usando todos os recursos de vocalização blues que aprendera com inúmeros artistas que tocara, como por exemplo, Curtis Knight e Little Richard (foto). Inclusive, em "Red House", já se evidencia - aliás, já está sacramentado - aquele estilo tão seu de cantar a música e dobrar a voz solando em uníssono (e em improviso), que - ao que eu saiba - ele levou para o túmulo consigo e não deixou descendentes. Na verdade, quem às vezes fazia algo próximo disso era um guitarrista inglês meio hendrixiano (até na voz!), o ótimo Roye Albrighton, da banda progressiva Nektar - ouça "Woman Trouble" e tire suas conclusões.

Em se falando da guitarra usada nestas gravações com o The Blue Flames, acho muito bom o timbre, mas que marca seria? Em 1964, quando chegou a Nova Yorque, Jimi tocava com Billy Cox, Leonard Moses e Jolly Joger, usando uma velha Epiphone (foto). Mas, ao que parece, a guitarra usada em "The Genius of..." não é uma Ephifone. Por que digo isso? Ocorre que, desde que ouvi este disco, eu conheço muito bem esse timbre de guitarra, e, por volta de 2005, ouvindo o disco duplo “The Blow-Up” (1978) da banda Television, reconheci-o na guitarra do Tom Verlaine. Fui conferir que guitarra era e vi que Verlaine usa com frequência uma Fender Jazzmaster (foto,). No entanto, convém lembrar que tanto Richard Lloyd quanto Tom Verlaine usavam Fender Duo-Sonic também. Na verdade, o fato tem de ser melhor checado. Para formar o The Blue Flames, em junho de 1965, ele comprou uma nova guitarra na loja Manny's,
mas antes de formar essa banda, Jimi tocava na banda de King Curtis usando uma Duo-Sonic branca (na foto, Hendrix com uma Jazzmaster). Enfim, as duas guitarras usadas por Jimi nessa época eram a Duo-Sonic e a Jazzmaster, mas a semelhança do timbre da guitarra de Jimi nas gravações de "People, People" e "Red House" com a guitarra de "Blow-Up" de Verlaine. A Cover Guitarra Nº 171, trouxe uma matéria com uma Jazzmaster 1960, em que diz:

“(...) a sonoridade desta guitarra é impressionante, mesmo desligada. O captador da ponte possui sonoridade bem aguda e ‘estalada’, como é característico das guitarras de surf music. O captador do braço lembra o da Stratocaster, pela sua sonoridade menos agressiva, porém mais encorpada, contida e macia em relação ao de sua ‘irmã mais
velha’. Com saturação, os captadores chiaram um pouco, exceto na posição central das chaves. Uma característica própria da Jazzmaster é o seu tone lead circuit. Ao acionar a chave de duas posições, que fica acima do captador do braço, conseguimos uma sonoridade mais cheia e encorpada, algo pensado para os músicos de jazz.”


O site Cifra Club News comentou a Jazzmaster:

"A Fender Jazzmaster é para a Jaguar o que a Telecaster é para a Stratocaster. Segundo Anderson Silva, essa guitarra mantém o timbre "mais estalado", um som mais "magro" com dois captadores single coil e um design próximo da Jaguar. "A Jazzmaster não é uma guitarra muito conhecida no meio dos guitarristas e tem pouco apelo. O corpo lembra a Jaguar e a parte de trás da guitarra lembra um pouco a a Telecaster também. É uma Fender, mas não é muito comercial.", diz o músico. A Jazzmaster tem presença marcante no cenário indie. Entre grupos que usam esse modelo, estão o Sonic Youth, Dinosaur Jr e Yo La Tengo."


Ouça amostras de “The Blow-Up” com o Television:


Ou baixe o disco:


Restava, então, checar que guitarras Hendrix usava quando gravou “The Genius of...”. Na revista On & Off (Nº 9) encontrei as guitarras usadas por Hendrix nesse período:

- Epiphone Wiltshare (foto), 1961, cereja, r/wood – usada em Nashville;

- Fender Duo-Sonic, 1964, sunburst, r/wood – usada na banda Isley Brothers (março a novembro);

- Fender Jazzmaster, 1965, sunburst, r/wood – quando tocava com Little Richard (1965); um vídeo de Hendrix tocando com os cantores Buddy & Stacey (foto) neste ano: http://www.youtube.com/watch?v=GaIxswG7d84

- Fender Duo-Sonic, 1964, sunburst, r/wood – usada no Curtiss Knight;

- Fender Stratocaster, 1964, sunburst, r/wood – comprada na Manny's , e, provavelmente, a que levou para a Inglaterra.


Após ouvir o “The Blow-Up”, acredito que Jimi tenha mesmo usado uma Fender Jazzmater na gravação do “The Genius of...”, pois o timbre é o mesmo. A distorção usada em ambas as músicas citadas leva a crer que, na época, ninguém tinha uma mais poderosa – tem um sustainer tremendo e a guitarra berra – é de se lamentar que o Hendrix não tenha mais o usado essa guitarra daí para diante. Acredito que ela tinha esse som incrível, com certeza era devido mais ao desenho do corpo que aos captadores. Convém lembrar também que foi nessa época que os Stones foram ver Jimi e os The Blue Flames no Café Wah? (foto), e Linda – a esposa de Keith Richards – ficou abestalhada com o que ouviu. Tanto o é que, depois, “intimou” Chas Chandler – que estava em excursão pelos EUA –, a ir vê-lo – o que se deu em 5 de julho de 1966. Linda disse que Chas (foto), ao ouvi-lo tocando “Hey Joe”, “ficou assim, de boca aberta, garganta seca, olhos esbugalhados”. Sobre a relação de Linda e o então Jimmy James (dizem que Keith Richards levou um belo par de chifres por isso...), o site Whiplash trouxe este ótimo e esclarecedor texto:

“Os Stones se apresentam em Queens, no Forest Hills Tennis Stadium, chegando e partindo de helicóptero. O estádio estava com apenas um terço da lotação em função dos caríssimos ingressos que Klein negociou a $5 e $10 dólares cada. Depois de sua apresentação, já de volta em Manhattan, seguem a sugestão de Linda Keith e vão ao Cafe Wha? em McDougal Street no Village, para assistirem um ow do Jimmy James & The Blue Flames.

Linda Keith (foto) que estava trabalhando em Nova York há algum tempo, havia assistido um show do Curtis Knight no Cheetah Club e ficou impressionada com o seu guitarrista Jimmy James. Achou inacreditável que um rapaz que ela julgou extremamente talentoso estaria tocando na banda de outra pessoa. Depois do show conversou com ele e os dois fizeram uma amizade forte. Linda, sendo namorada de Keith Richards, tinha muitos contatos no meio musical e convence James que ela teria como promovê-lo, mas ele precisaria ter uma banda sua.
Assim Jimmy James deixa Curtis Knight e acaba por montar o Blues Flames, conseguindo este gig no Café Wha? Jimmy era até então extremamente acanhado para cantar e Linda Keith fez um pesado trabalho psicológico para convencê-lo a abandonar suas preocupações. Sabendo da paixão de Jimmy por Bob Dylan, conseguiu mostra-lhe que não era mais preciso ter uma voz aveluda para cantar e que sentimento era o fator em voga.
Linda então usurpa uma guitarra Stratocaster branca da coleção de Keith Richards e presenteia Jimmy James com ela. Aproveitando a passagem dos Rolling Stones pela cidade, ela então consegue atrair a banda e principalmente Andrew Oldham para assistí-lo. De fato, todos ficaram um tanto impressionados com o talento de Jimmy James, mas Andrew não se interessou em contratar o músico ou a banda.
Linda sem se dar por vencida, continuaria a tentar apresentar pessoas do meio musical, convida-los a assistí-lo e, assim, conseguir uma carreira mais sólida para seu guitarrista predileto. Não seria até Julho, quando encontrou com Chas Chadler, por conta da passagem dos Animals pela cidade, que ela conseguiria realizar seu intento. Chas, recém saído da banda, estava começando a trabalhar como empresário, e Linda, sabendo disto, comentou sobre este guitarrista Jimmy James, cuja apresentação chamou tanta a atenção dela quanto a dos Rolling Stones. Chas acaba por ir assistir o rapaz e impressionado, o convence a ir com ele para Londres e começar uma nova carreira de lá. Chas também sugere que ele muda o seu nome artístico de Jimmy James para Jimi Hendrix. O resto desta história, faz parte de outra história.”


A história acima lembra também outro caso, ocorrido dois anos antes, em 1964, com Gene – o filho do Les Paul (o criador da célebre guitarra, falecido recentemente, 13-8-2009) –, que dando um rolê pela noite de Nova Jersey, pararam num clube em Lodi, e Gene foi conferir o show que rolava naquela casa. Ele ficou completamente estupidificado com o que viu e ouviu. Ele voltou e disse ao seu pai: “Pai, é melhor você ir conferir por si mesmo. Tem um cara lá estraçalhando a guitarra!” Les Paul (foto) entrou e parou para escutar, e ficou deveras impressionado com o que ouviu. Acredito que de 1964 a 66, foi o período em Hendrix estava com a bola toda, inspiradíssimo, e louco para acontecer após os encorajadores conselhos que lhe dera Muddy Water (foto, com sua Guild S200 Thunderbird, ano 63), afinal era nada mais, nada menos que Muddy Waters, o seu ídolo que lhe dava o aval.
Mas, afinal, o que disse Muddy para Jimmy? Pois bem: quando ele se encontrou com Jimmy pela primeira vez em Chicago, ao notar o seu notável talento - e também lhe dizer que ele se parecia com o bluesman Robert Johnson -, aconselhou: "Vá para Nova York, garoto. Se você quer alguma coisa além desse vida, vá para Nova York". Quanto à opinião de Linda que, se baseando em Bob Dylan, afirmou que Jimi também poderia cantar, houve uma opinião posterior dele em que ele disse sobre seu ídolo: "Você deve admirar um cara por ter a coragem de cantar tão fora do tom."


Tem outro depoimento interessante também – aliás, fantástico – no livro “Jimi Hendrix – O Domador de Raios” (1984), de Ana Maria Bahiana, em que ela fala das primeiras impressões que Hendrix causou em Fayne Pridgeon (a Foxy Lady, foto), que o ouviu em sua estreia no Palm Café em Nova York, em 1965:

“Essa noite ela havia ficado muda. Um rapaz novo, com uma cara estranha – era tímido ou louco aquele olhar perdido? – tinha ficado a noite inteira pentelhando para subir no palco com a banda da casa. Alta madrugada, os veteranos deram uma colher. O garoto subiu, ligou uma velha Fender, esquentou com alguns acordes no compasso do tema e, de repente, teve um troço. Era o que, aquilo? Fayne tinha ouvido falar em possessão de espíritos, nos holy rollers (nome dado aos pregadores e devotos das seitas fundamentalistas que pregavam e praticavam o transe como forma de comunicação com Deus) das igrejas batistas do Sul, seria isso? Mas holy rollers não tocavam guitarra. O garoto começou com um agudo inteiramente fora dos padrões de improviso, e foi distorcendo a nota até que ela se transformasse num rosnado, um ronco demente. Depois, uma cachoeira de notas rápidas, subindo e descendo aparentemente sem lógica: com chamas, uma fogueira, um clarão... Aí ele começou a pinotear pelo palquinho, ergueu a guitarra, passou-a para as costas, sempre tocando, abaixou quase até o chão, contorceu-se, sempre tocando, deu um salto, agachou-se, começou a arrastar-se pelo palco sempre tocando, a língua para dentro e para fora da boca (...).”



Outro que colaborou para a ascensão de Hendrix foi o cantor e guitarrista John Hammond Jr. (foto), filho do famoso crítico de jazz e blues. Segundo ele, o encontro do então Jimmy James com Chas Chandler se deu no Café Wha?, mas sim no noutro café, o Café a Go Go. Na verdade, Chas já havia visto Jimmy no Café Wha? e no  Go Go, acredito, se deram os acertos finais. Ele se recorda do dia em que o ouviu tocando em Greewich Village (onde Jimi conheceu Dylan), em 1966:

"Jimi estava tocando numa espelunca chamada Café Wha, e eu entrei numa noite. Ele estava tocando uma das minhas canções. Gostou de me encontrar e perguntei-lhe como poderia ajudá-lo. 'Me arranje alguma apresentação. Me tira daqui!', ele respondeu. Então arranjei para ele tocar no Café A Go Go e eu trabalhei lá com ele por um mês, com Jimi tocando guitarra solo. Bob Dylan, os Beatles e os Rolling Stones, todos foram lá ver a gente tocar. Então Chas Chandler o levou para Londres. Eu o vi logo depois, e ele havia se tornado um superstar.”


Hammond então, em agosto de 1966, entra para a banda de Jimmy e começam a tocar junto no Café a Go Go. No mês seguinte, após ouvir Jimmy atuando nesta casa, Chas Chandler convence-o a ir para a Inglaterra, o que se dá no dia 23 de setembro.

Acredito que todos os que já ouviram essas histórias do Les Paul, da Fayne Pridgeon, da Linda Keith, do Chas Chandler, do John Hammond Jr. e do próprio Jimmy James, ficam curiosos para saber o que é que ele estava tocando e qual seu nível musical nesse período. Então recomendo a audição destas duas músicas citadas do disco “The Genius of...” e algumas do “Live Cheetah”. Penso que, em se falando de guitarras, não tinha prá ninguém nos anos 60, e ainda tem um bando de leigos na Internet que vivem a dizer que o Jeff Beck tocava mais que o Hendrix!... Uma simples audição destas duas peças basta para notar que o Beck precisava comer muito, mas muito feijão!... Só a distorção e o sustainer animalescos que se pode ouvir em "Love or Confusion", do primeiro disco do Experience, já dá uma pequena amostra de que Hendrix tinha pulverizado todo mundo na Inglaterra. Sobre o Beck, ele não estava tocando tanto assim em 1966 – veja, p. ex., esta música: “Yardbirds - Train Kept A Rollin' (1966 with Jeff Beck )”:

Ouçam, e depois tirem suas conclusões, mas, sinceramente, não dá para comparar... No ano seguinte, com o lançamento do primeiro disco do Experience, só “Manic Depressions” já bastava para tirar Beck (foto) do campo das disputas, e mandar o cara enfiar sua violinha no saco e sair batido... Aliás, não só o Beck, como o Clapton, Page e o Pete Towshend também. "Truth" do Beck e "Wheels of Fire" do Cream são ótimos discos, mas não superam em virtuosismo e inovações os dois primeiros discos do Experience. Isto foi extraído do já citado site Rock Press, onde se analisa o primeiro disco do Experience, e mostra outras facetas inéditas sobre o disco:

“Segundo o texto de Dave Marsh no encarte do Experience (no CD remasterizado e autorizado pela família), Hendrix acertou onde álbuns clássicos como o Pet Sounds, dos Beach Boys, e o Sgt. Pepper’s, dos Beatles, falharam: em momento algum o Experience aboliu a ferocidade do rock and roll em prol de uma superioridade estilística e de uma concepção musical evoluída. Segundo Marsh, os discos citados anteriormente optaram por sacrificar a crueza, o poder e a velocidade pela causa evolucionista. Decididamente Hendrix não o fez. O lado mais negro e selvagem do blues estava presente a todo momento e isso não deixou o disco menos evoluído em relação a outros, e nem menos inventivo.”


Sobre o Beck e o Townshend, vejam a historia que o guitarrista Robertinho do Recife contou num exemplar do jornal Hit Pop de junho de 1977:

“Nos idos de 67, em Londres, numa época em que poucos conheciam Jimi Hendrix, Pete Townshend e Eric Clapton iam entrando na boate Speakeasy quando deram de cara com Jeff Beck que ia saindo naquele momento. Beck, só de maldade, virou-se para Pete e rosnou: ‘Tem um cara aí dentro quebrando o amplificador com a guitarra e fazendo misérias. Melhor você entrar lá e dizer a ele que quem faz isso é você’.”

Essa história, além de deixar entrever que o show estava incomodando o próprio Beck, mostra que ele, enfim, de modo indireto, reconhecia a evidente superioridade de Hendrix. Aliás, se analisarmos a vertiginosa ascensão de Hendrix como músico, cantor, explorador de tecnologias e domínio de estúdio no período compreendido entre 1967 e 1970 – que foi muitissímo superior à de Beck no mesmo período –, imagine-se o que Hendrix não teria feito em meados dos anos 70 quando Beck gravou “Blow by Blow” e “Wired”. É como uma “Regra de 3”, e quem poderia avaliar o que Hendrix estaria fazendo hoje se estivesse vivo!... Realmente, sua morte é uma perda sem precedentes para o mundo da música!

Sobre o primeiro encontro de Jimi com a banda Cream arranjada por Chandler no Regent Polytechnic College logo após sua chegada na Inglaterra, cita-se que ao executarem "Killing Floor", Jimi tocou de tal maneira que dizem que ali ele cometeu definitivamente o deícidio do então "God" Eric Clapton: Jimi, iniciando a música com um feedback destruidor, deixou Clapton arrasado não acreditando no que ouvia. Clapton desabafou: "Ninguém me disse que ele é tão bom." 

Townshend, instado sobre Jimi, foi sincero como Clapton: "Ver Jimi tocando me destruiu! Quer dizer, era difícil ver alguém fazendo o que você sempre quis!"

Beck, por sua vez, numa entrevista décadas depois, não deu o braço a torcer: "Meu relacionamento com ele era difícil, pois ambos estávamos à procura da mesma coisa: um jeito selvagem de tocar"... No entanto, na época, ele teceu este comentário após ouvir Hendrix nas primeiras vezes: “His music hits me straight between the eyes!”, ou seja, dizia que sua música o acertava diretamente na testa, entre os olhos... Aliás, esta frase serviu de título de um dos discos de um dos grandes fãs de Hendrix, Ritchie Blackmore e sua banda Rainbow, o disco lançado em junho de 1982, “Straight Between the Eyes”. 

Beck concedeu em abril de 2010 uma entrevista para o site Telegraph.co.uk onde, finalmente, ele entrega os pontos, e em um trecho ele explica que o guitarrista que realmente o impressionou foi Jimi Hendrix.

“Uma coisa que eu percebi quando eu o vi não foi apenas o seu blues incrível, mas também sua agressão física na guitarra. Suas ações eram todas explosivas. Eu, Eric (Clapton) e Jimmy (Page), fomos amaldiçoados, porque éramos de Surrey (condado situado ao sul da Inglaterra).
Nós todos parecíamos que tínhamos saído de uma vitrine da Burton (loja de roupas masculina mais famosa na Inglaterra). Lá estava o Jimi com sua jaqueta militar, seu cabelo esvoaçante, tocando com os dentes. Nós teríamos adorado ter feito isso.
Quando ele chegou me atingiu como um terremoto. Eu tive que pensar muito sobre o que fazer em seguida. Na verdade, as feridas eram muito profundas e eu tinha que curá-las sozinho.
Eu estava constantemente procurando outras coisas para fazer na guitarra, alcançar novos lugares. Eu tenho que sentir que isso é meu. Se eu não me sinto especial, eu simplesmente não faço."


Convém recordar que em Londres, naqueles tempos, qualquer coisa que os Stones e os Beatles dissessem sobre um artista ou um estilo musical, era aceito como verdade absoluta e indiscutível, e o entusiasmo de John Lennon, Paul McCartney e Mick Jagger muito contribuíram para que artistas como Bob Dylan e James Brown fossem aceitos e reconhecidos na Inglaterra, e assim se deu com Jimi Hendrix.

Enfim, voltando ao assunto principal, e finalizando, depois de si próprio a quem ficam os méritos do sucesso de Hendrix até que ele chegasse na Inglaterra? Enumeremos pela ordem no período que vai de 1964 a 1966:

1- Muddy Waters – que o incentivou a ir para Nova Yorque, pois lá teria sucesso garantido;
2- Fayne Pridgon – que o incentivou a enfrentar o reduto de jazzistas do Palm Café e mostrar sua arte sem medo;
3- Curtis Knight – que elogiava seu talento, abriu espaço em sua banda e o incentivou;
4- Linda Keith – que ajudou Hendrix, incentivou e falou mil maravilhas dele para Chas Clandler, intimando-o a vê-lo e ouvi-lo;
5- John Hammond Jr. - que levou Jimi para tocar num lugar onde pudesse chamar a atenção de artistas mais importantes;
6- Chas Clandler – que se deslumbrou com Hendrix e, finalmente, o levou para a Inglaterra;
7- John Lennon, Paul McCartney e Mick Jagger - que, após vê-lo atuando em Nova Iork, divulgaram Jimi em toda Londres, colaborando assim para sua meteórica ascensão.


Bom, amigos, era o que eu tinha a dizer. Boas audições, conclusões e aprendizados com o nosso mestre Jimi Hendrix!

BIBLIOGRAFIA (25 fontes)
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terça-feira, 23 de março de 2010

NOVAS FRASES DE HUMOR DO V-NEWTON




ATINAÇÕES I
A granada de mão não passa de uma bomba anatômica.
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ATINAÇÕES II
Meu prestígio está abalado – ele se derreteu! –, e junto com ele foi meu choquito, meu diamante negro, meu diplomata, meu alpino!...
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SARARA, UMA CIDADE AS AVESSAS
Nosso Teto é um bairro em Sarara onde as pessoas ficam no meio da rua e os carros em cima das calçadas.
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VELHOS CONSELHOS ADITIVADOS
Faça o que eu digo: não faça nada, mas não faça o que eu faço: dizer tudo.
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COTIDIANO
Um dia, prego de se tomar. Outro, martelo de se bater.
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CONVERSINHAS BESTAS I
– Para você gostar da avó materna de seus filhos, primeiro você tem de gostar de sua sogra.
– Ãhmmmm?
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CONVERSINHAS BESTAS II
– Você, para mim, está uma caricatura do neto de sua mãe, e uma versão menos pior que o avô dele.
– Ãhmmmm?
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ATINAÇÕES
O tesão tem razões que o pênis desconhece.
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COMO DIRIA O JOHN LENNON
O sonho acabou, mas inda temos sonambulismo, lençol gelado, pensamentos ruins, pernilongos...
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COISA DE LOUCO
Yo no creo em poesia japonesa, pero que las haicai, las haicai.
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DO PORTUGUÊS...
O problema não era ele estar limpando o rabo com o jornal, mas sim, estar lendo o rolo de papel higiênico...
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SUPERCOMPENSAÇÕES
Em 18 meses, um casal de ratos pode ter 1 milhão de descendentes. Tudo bem, pessoal sem alarmes: a Suíça tem 320 variedades de queijo.
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SARARA, UMA CIDADE ÀS AVESSAS II
Em Sarara, uma jovem namora um jovem rico pensando num rápido e bom casamento, assim como uma jovem pode se casar com um velho rico pensando numa breve e boa viuvez. Ambas, invariavelmente, se enganam....
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ME FORÇARAM A ESCREVER
Com as minhas orelhas e o teu cérebro, nós poderíamos fabricar um burro. Melhor, não poderíamos não – minhas orelhas são pequenas demais para tal, e o teu cérebro é fraco demais para chegar a compor um burro...
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SUTIS DIFERENÇAS

Alfred Nobel, aos 33 anos, inventou a pólvora e criou o Prêmio Nobel da Paz. Cristo foi morto aos 33 anos e era a paz em pessoa.
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DESDITADOS À LA PILATOS
Ofereça a outra face àquele que nunca lavou as mãos.
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O CÚMULO DA CAPACIDADE
Tapar o sol com a peneira e fazer um eclipse.
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ATINAÇÕES I
Quando éramos crianças, a impressão que tínhamos é que para se passar um café para as visitas se levava por volta de meia hora – e esse era o ritmo da infância. Hoje, adultos, vemos que um café é passado em 5 minutos – e esse é o ritmo dos adultos.
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ATINAÇÕES III
Quem nasceu para ratoeira nunca chega à gaiola de biotério.
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MILHÕES DE MOSCAS...
Epicuro, se referindo aos prazeres da mesa e aos convivas, disse: “É mais importante saber com quem comeis, do que o que comeis.” Concordaria com ele se fosse uma mosca.
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MULHER SE GABAM DIZENDO QUE:
- “Não broxam”. Broxam sim, quando não lubrificam a prexeca, e dá-lhe bráulio esfolado;
- “Tem seu dia internacional”. Mas nós temos o Dia do Papai, aliás, por outro lado, foram elas que, ciumentas, inventaram esse ridículo de Mamãe Noel...;
- “Podem sentar de pernas cruzadas, porque não dói” – Mas adoram abrir a perna para os fotógrafos papparazzi, principalmente quando estão sem calcinhas; mas, quando não tem nada para fazer, não podem “coçar o saco”, como os homens...;
- “Podem usar tanto rosa quanto azul”. Disso nós homens fazemos questão mesmo de abrir mão, mesmo porque essas cores não nos fazem falta alguma;
- “A idade não atrapalha seu desempenho sexual”. No entanto, são inférteis com a menopausa, enquanto que o homem, mesmo não sendo viril a vida toda, mas pode fazer filhos o resto da vida mesmo com a coisa mole;
- “Sempre sabem que o filho que geraram é seu". Não é à toa que o homem pode fazer cem filhos por ano enquanto a mulher só pode fazer um...;
- “Não pagam a conta, no máximo racham”. Na verdade, elas ganham menos que os homens no mercado trabalhista, então...
- “Não precisam dar lugar nos ônibus”. Isto significa que tem espírito de velho e nasceram cansadas desde sempre;
- “Não precisam trocar pneus”. Mas quando não tem homem por perto para fazer isso, elas ficam na mão em matos e estradas desertas;
- “Fazem tudo o que um homem pode fazer, só que com um detalhe, de salto alto”. Depois passam o resto da vida com problemas na coluna.
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ATINAÇÕES II
É melhor ter azia do que vomitar, mas é melhor vomitar do que estar com cirrose.
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ATINAÇÕES DE POETA I
No crepúsculo, nossa sombra se alonga como que a fugir de nós, mas, ah, ela não larga de nossos pés!
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ATINAÇÕES DE POETA II (IDEAL DE HELIÓLATRA)
Nunca dormir antes do pôr-do-sol, e jamais acordar após o alvorecer.
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SARARA, UMA CIDADE AS AVESSAS
Não é que o sararense conserve a tradição – ele é atrasado mesmo.
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DO ALÉM I
“O namoro é um paraíso, o noivado um purgatório e o casamento um inferno.” (Sócrates psicografado)
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VAI NESSA, VAI!...
Empunhe a bandeira verde da liberação das drogas, em cuja faixa se lê: “Dependência e Morte”
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DO ALÉM II
“O Socialismo é como a liberação das drogas: uma boa idéia, mas não funciona.” (Will Rogers psicografado)
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DO ALÉM III
“Sou da opinião que o melhor salto ornamental é o salto plataforma.” (Carmem Miranda psicografada)
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CANTADA I
Quem tem você como mulher não precisa de amantes.
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CANTADA II
– Se você adivinhar quantos anéis eu comprei para você, eu te dou um e fico com o outro, aliás, você não quer casar comigo?
– Oooooh!!!
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FRASES QUE NÃO SE OUVE MAIS
– Nossa, você não morre mais, Matuzalém!
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FALANDO SÉRIO
Se forem falar bem de uma pessoa, ainda que eu não a conheça, me convidem. Se forem falar mal, peçam para eu me retirar.
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COROLÁRIO
Quando uma pessoa comenta: “Dizem as más línguas que...”, repare, a língua dela também está inclusa.
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ATINAÇÕES
Quem dá aos pobres de espírito empresta ao deus dará.
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EITA!
O V-Newton sonha acordado
Que a pinga vem do ribeirão
E a água vem do alambique...
É o sonho de um beberrão...
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DESCULPA ESFARRAPADA DE EUNUCO
Ela tem olhos agateados, pernas de gazela, anca de potranca e a delicadeza de uma pombinha, mas, ô rapaz, eu não quero um animal em minha cama!
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SUTIS DIFERENÇAS I
Pobre é freguês. Rico é cliente.
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SUTIS DIFERENÇAS II
Apetite: fome de rico. Desnutrição: fome de pobre.
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SUTIS DIFERENÇAS III
Esposa é para perpetuação da espécie. Amante para controle de natalidade.
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BESTAS ATINAÇÕES IV
Bráulio de velho é que nem varinha de radiestesia: só funciona quando encontra água. De privada...
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BESTAS ATINAÇÕES V
Estou envolvido até a raiz dos cabelos com meus problemas de calvície, aliás, que minha calvície é hereditária, estou careca de saber...
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COMPENSAÇÕES
Você pode até não acreditar em Deus, mas que o diabo acredita piamente em você, ah, isso ele acredita!
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ATINAÇÕES
A ambição da poeira é uma grande ventania.
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COTIDIANO
– Joãozinho, seu disgramado! Que ódio!! Para de comer, menino!!! Pô, ainda não aprendeu que a gula é um dos sete pecados capitais, caramba?!!!
– A ira também é, mamãe...
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BOCA SANTA I
... ele foi o cupim de sua árvore genealógica...
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BOCA SANTA II
Bastou ele pular no Mar Vermelho para confirmar o que dele diziam: “bosta não afunda”...
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AMBIÇÃO ARIANA
Ser o super-homem de Nietzche e morar na Republica de Platão.
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SUTIS DIFERENÇAS
As armas mijam nas mãos das crianças.. E os valentões mijam no cano das armas.
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quinta-feira, 11 de março de 2010

“SINHÁ MOÇA” – UM LIVRO, UM FILME E UMA NOVELA INSPIRADOS NA HISTÓRIA ABOLICIONISTA DE ARARAS

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Em 13 de março de 2006, a Rede Globo colocava no ar pela segunda vez, a novela de época “Sinhá Moça”. Muitos ignoram – exceção feita aos mais antigos, historiadores e aos que leram o livro do Alcyr Matthiesen, “Araras - Retratos da História”, – mas a novela, cuja primeira versão foi em filme, tem a ver com Araras e a história de seu movimento abolicionista. Em março de 2010, após o grande sucesso do remake de 2006, a mesma emissora decidiu reapresentar no horário vespertino em “Vale a pena ver de novo.”

Sinhá Moça foi adaptada do livro homônimo da escritora Maria Dezonne Pacheco de Fernandes. A novela, no entanto, foi um remake do escritor Benedito Ruy Barbosa, e a primeira adaptação, também dele, é de 1986, para a mesma rede de televisão, tendo como protagonistas, a famosa dupla de renome internacional, Lucélia Santos, como Sinhá Moça, e Rubens de Falco, como Barão de Araruna, e também o ator Marcos Paulo como Rodolfo. Na última versão, os atores eram Débora Falabella, Osmar Prado e Danton Mello, respectivamente.
A escritora (foto, década de 1950), nascida em Itu e 8 de dezembro de 1904, residia em Araras na primeira metade do século XX, na fazenda Araruna, de propriedade de seus avós, próximo à estação do Elihu Root. Sua mãe, Clarinda, era ararense. Faleceu em 2 de março de 1998.

A novela foi uma ótima oportunidade para os ararenses conhecerem um pouco mais algumas facetas sobre a história da abolição local, pois, como veremos, ela teve inúmeras de suas passagens inspiradas nos fatos que ocorreram aqui na década de 1880. Dez anos após o lançamento do livro (1942), já grande sucesso e em terceira edição, ele foi finalmente adaptado para o cinema, por obra do cineasta Tom Payne, e é sobre o filme que iremos falar agora.

Tudo começou quando Franco Zampari – o pioneiro do cinema brasileiro – instou a autora a ceder os direitos para adaptá-lo ao cinema. Após uma reunião em Araras da escritora com o pessoal da Vera Cruz – uma espécie de versão brasileira de Hollywood – as filmagens tiveram início em junho de 1952. Parte do filme foi financiado pelo marido da escritora, o senhor João Pacheco Fernandes, que era presidente do Banespa na época. Foi uma das produções mais caras da Vera Cruz, pois visava atender também o mercado internacional. (foto, Eliana Lage como Sinhá Moça). As fontes se contradizem nas informações sobre o sucesso do filme – uns dizem que teve uma fraca bilheteria, outras que chegou a superar o famoso “O Cangaceiro”, que havia batido recordes de público.

Maria Dezonne, em fevereiro de 1952, em depoimento ao Jornal da Noite, da Capital, se referindo ao livro, afirmou:

A mucama Virgínia
“(...) trata-se de um romance verdadeiro (...). Não é obra fictícia. Fi-lo na fazenda de meus pais, em Araras, num recanto bucólico, onde só tinha como confidente a velha Virgínia, hoje com 77 anos de idade e que foi minha grande auxiliar na reconstituição das cenas históricas ao natural. (...) a mucama Virgínia do meu romance é a mesma que viverá seu próprio e autêntico papel no filme. Ela acompanha a minha família há mais de 50 anos, tendo sido filha de escravos”.

A coleção Nosso Século (1985) traz um trecho de um depoimento da romancista “que aborda o movimento abolicionista em tons cor-de-rosa”:

"Sinhá Moça representa o que eu achei que todas as mulheres brasileiras deveriam sentir. Esse espírito de fraternidade (...); essa preocupação com os menos protegidos da sorte... E um símbolo, afinal, a Sinhá Moça ( ... ). Eu penso que o filme traz elevação, e leva ao estrangeiro o que nós temos de melhor, que é a nossa formação, a aristocracia dos nossos lares... Veja O Cangaceiro, apresentado no estrangeiro; é como um quisto moral, não é? Não mostra bem certo o que é verdadeiramente, o que foi verdadeiramente o Brasil...”

A escritora afirmou ainda que o barão de Araras, em 4 de abril de 1888, “foi o ilustre ararense o primeiro homem no Brasil a dar liberdade aos homens que mantinha em sua propriedade”. É provável que foi daí que nasceu a ideia equivocada na cidade de que Araras foi a primeira a libertar seus escravos no Brasil. Virgínia, que em entrevista ao mesmo jornal, disse ter presenciado a abolição em Araras, revelou: “Vinha vindo da escola, quando o sr. João Pedro de Souza, intendente de Araras, me disse no dia 13 de maio de 1888: ‘Hoje não tem escola. Foram libertados todos os escravos’”, e complementou corroborando sua patroa dizendo que o barão de Araras já se havia antecipado à Lei Áurea, libertando seus escravos de sua fazenda, a São Joaquim. Disse ainda que o dono da fazenda São Tomé acolhia generosamente os escravos das diversas fazendas circunvizinhas, e a molecada, em consequência, cantava este estribilho: “Seu Lourenço Dias, quero ver balancear só”. Em 6 de fevereiro de 1956, o extinto jornal Semanário de Araras entrevistou um cidadão ararense, de 89 anos de idade, que havia presenciado a abolição da escravatura em Araras, o senhor João Antonio Eliseu, nascido em 1875. Disse ele:

“– Recordo-me que naquele dia, o genro do Barão de Arari, sr. João Soares do Amaral, chamou os escravos e lhes disse: – De hoje em diante vocês não são mais escravos, vocês estão livres. Mas aqueles que quiserem continuar a trabalhar na fazenda podem ficar, e quem não quiser pode ir embora.”

Décadas depois, em entrevista concedida à Tribuna do Povo em julho de 1977, Maria Dezonne (foto recente) revelou que o filme foi “classificado em 1o lugar e laureado com os mais disputados troféus”. Foi premiado no festival de Cannes; em Veneza recebeu o “Leão de Bronze de São Marcos”; na Alemanha Ocidental, o prêmio “O.C.I.- Oficial Católico Internacional”; em Punta del Este”, a ‘Lanterna Simbólica’, oferecida pelo Vaticano; também o Medaille D’Honneur L’Ouvre Nationale Du Teatre Al’Hospital - Academie Ansaldi em Paris. No famoso festival de Veneza, onde o filme concorreu com “Moulin Rouge”, era a primeira vez que o Brasil havia sido premiado. Também foi premiado em Varsóvia, Berlim e recebeu inúmeros prêmios no Brasil.

Em 22 de agosto de 1954, houve no Núcleo Araruna uma festa em homenagem à autora e o elenco do filme, festa esta filmada pela TV Tupi. Um trecho do discurso feito pelo professor Vicente Ferreira dos Santos na homenagem, dizia:

“O enredo de ‘Sinhá Moça’ constitui um dos capítulos mais belos e sugestivos da história de Araras (...) realçando as cenas de tentativa de fuga dos escravos procedentes muitas vezes de longínquas paragens, almejando com ansiedade atingir nossa cidade, pois aqui estavam a salvo do cativeiro”.

Em outro trecho, se referindo à avant-premiere do filme no cine Santa Helena, falou:

“(...) os ararenses se sentiam emocionados, quando em um dos lances de grande intensidade emotiva, os pretos foragidos, em massa, com mulheres e crianças, perseguidos pelos ‘capitães do mato’ e pela polícia, repetiam a seus companheiros a frase, que tanto nos sensibilizou: – Em Araras, negro não é mais escravo”.

O já citado Jornal da Noite, vaticinando sobre o filme, afirmou:

“O final do filme será uma consagração, verdadeiramente apoteótica, aparecendo os escravos, já libertos, arrancando as correntes que ofereciam como dádiva a Deus, à frente da Igreja principal da cidade de Araras, enquanto os sinos repicavam em regozijo”.

A autora, numa entrevista ao programa "Fantástico" da Rede Globo gravada em 9 de maio de 1985:


SERIA O BARÃO DE GRÃO-MOGOL O BARÃO DE ARARUNA DA NOVELA SINHA MOÇA?

Em outra ocasião já tive a oportunidade de falar na Tribuna do Povo das maldades que o fazendeiro Gualter Martins Pereira – o lendário barão de Grão-Mogol (ilustração), da vizinha cidade de Rio Claro, praticava contra seus escravos, foi quando fiz a matéria O Folclore da Bananeira na Morte do Barão de Arari (9-2004). Recentemente, escrevi uma matéria sobre “Sinhá Moça”, o livro que deu origem ao filme e à atual novela da Rede Globo. Ocorre que novas pesquisas sobre o tema me levaram à descobertas curiosas e surpreendentes, de que irei tratar agora.

Acredito que muitos ararenses devam se perguntar: – Mas, afinal, quem seria o tal de barão de Araruna da novela? Em que a autora do livro se inspirou para compor o personagem? E Sinhá Moça e o Irmão do Quilombo, também existiram?
Pois bem: o senhor Cardoso Silva – um conceituado e idôneo radialista – que morou em Araras, e à época residia em São Paulo, lançou algumas pistas. Cardoso era escritor freqüente dos jornais ararenses da época, escrevendo sobre reminiscências e tipos populares de rua, aliás, era o seu assunto predileto. Sobre o filme, escreveu ele o seguinte sobre o filme no extinto Jornal de Araras (7-1953):

“Vou lhe prometer uma coisa: falar de algo que muito me orgulhou. E tudo por causa do ‘filme’ do Tom Payne que se chama ‘Sinhá Moça’, ainda em exibição por aqui. O nome de Araras dança e re-dança no enredo da história. Lembra passado do eminente Barão do Grão-Mogol – (e eu sei que você entra no cemitério de Araras e nem dá importância para aquele túmulo velho, esquecido, do ilustre cidadão, que ali ainda existe!) e transpira bravura de Lourenço Dias quando roubava escravos de todas as fazendas p’ra levá-los aos ‘palmares da fazenda São Tomé’.”

Caso o que escrevera Cardoso seja verídico, lembrando-se que a escritora nada afirmou disto em suas entrevistas, podemos concluir que ela se inspirara no tal barão para compor o fictício personagem da novela – o barão de Araruna –, interpretado pelo ator Osmar Prado (foto). Apesar de suas sabidas maldades, esse barão (que era mineiro, mas não era nenhum “come-quieto”, como veremos), em 26-10-1871, assinou uma ratificação passada em cartório, em que assegurava a liberdade dos filhos de suas escravas nascidos de 1871 em diante. Anos depois, em 21-2-1887, ele apresentou na Câmara de Rio Claro uma indicação que promovia a criação de um “livro de ouro, para concorrer com os seus irmãos no desenvolvimento da santa e humanitária idéia da libertação dos escravizados do município”. O pedido foi aceito e em 5-2-1888, ele dava liberdade total aos seus escravos, com 93 dias de antecipação à “Lei Áurea”, portanto, meses antes que a façanha do barão de Araras.

Cardoso se equivocou ao dizer que o barão de Grão-Mogol está enterrado no cemitério de Araras. Seu túmulo (foto), hoje jaz solitário em meio um terreno pertencente à fazenda Angélica, na verdade, um canavial à beira de uma estrada, bem distante da sede. E mais, segundo um depoente, o ararense Miguel Curtulo (85 anos, 2006), o barão foi enterrado no cemitério de Rio Claro, mas pouco depois, ele começou a aparecer à noite em sua fazenda como uma assombração. Diziam que ele queria se enterrado em suas terras, e a solução foi trazer seus despojos de volta, e enterrá-lo no cemitério da fazenda junto de seus escravos. Da família, o que se sabe, o único túmulo que se encontra no cemitério de Araras é o da baronesa, a senhora Emília Martins Pereira, que falecera aos 99 anos em plena demência.

Aos antigos dizem que o barão, depois que sua esposa enlouqueceu, passou a mantê-la trancafiada num sótão da casa-grande. Até há décadas atrás, se dizia que havia na parede desse sótão, o desenho do contorno de seu corpo, feito por ela mesma à giz, mas o reboco caiu e o desenho se perdeu, como eu mesmo testemunhei. O escritor Emílio Wolff, em seu livro Nosso Folclore (vol. II,1985), recolheu uma história que fala sobre a índole de um barão, a que não deu o nome, mas todos os indícios levam a crer que seja o barão de Grão-Mogol. Lê-se no texto: “O casarão da fazenda tinha três andares: Térreo: Senzala; Sobrado: Residência do Barão; Sótão: Prisão perpétua de sua esposa, a fim de poder cortejar lindas pretas escravas de sua propriedade" (foto). O excelente livro Rio Claro: Um Sistema Brasileiro de Grande Lavoura, 1820-1920, do pesquisador norte-americano Warren Dean (1977) traz o seguinte sobre o assunto: “Declaração feita pelo Sr. Pedro Rossi e Senhora, em Rio Claro, em 13 de dezembro de 1968. O barão, sob o falso pretexto de que sua mulher era demente, mantinha-a presa no sótão.”. No entanto, em 25-10-1931, o historiador ararense Vicente Ferreira do Santos, publicou uma matéria na Tribuna, onde resgatara um texto do mesmo jornal, de outubro de 1899, que dizia da situação em que se encontrava a baronesa: “Publica-se um edital de interdição da Baronesa de Grão-Mogol, que foi julgada incapaz de reger sua pessoa e bens. Assina-o o juiz de direito de Rio Claro, dr. José de Andrade Guimarães.”

O livro de Warren também dá conta de uma terrível realidade, a do famoso tratamento do barão para com suas escravas:

“Para algumas pessoas, indubitavelmente, a instituição da escravatura era uma licença para a satisfação dos desejos, fossem eles quais fossem. O capanga do barão de Grão-Mogol, um negro liberto baiano que continuou a viver na casa-grande da fazenda muito depois da morte do barão e da partilha de suas propriedades, deixava atônita a família de imigrantes que cuidava dele em seus últimos anos, com as histórias das orgias sádicas presididas pelo barão no seu porão, tendo como convidados todos distintos membros da elite local, e as escravas do barão, acorrentadas a postes e grades, como pièce de résistance.”

Em 1864, o jornalista e romancista francês Jean Charles Marie Expilly, que esteve no Brasil por longo período, publicou, em Paris, livro intitulado “Les femmes et les moeurs du Brasil” (Mulheres e costumes do Brasil), onde ele diz:

“(..) a escravidão entregava a mulher cativa ao capricho do homem branco, e tão natural isto se afigurava, como uma das conseqüências da vida das senzalas e das suas brutais tradições que, a circunstância de rodearem o agricultor-barão dezenas de mulatinho, filhos ilegítimos dele, não escandalizava, nem comprometia a gente austera”.

O mesmo texto de Wolff, traz outras revelações, mas como é um texto já publicado na Tribuna, faço um resumo dele aqui. Escreveu ele, que o barão, certa vez, cometeu uma maldade tão terrível que resultou em três mortes seguidas:

“Uma preta velha, que foi escrava da fazenda de café do Barão, contava que certa vez, uma escrava, de cesta na cabeça, uma criança nos braços e outra agarrada na saia, vinham em direção à senzala. Ao se aproximarem do lago, o Barão, que seguia seus passos, arrancou-lhe o filhinho e o jogou na lagoa. A mãe, desesperada, atirou-se na água para salvá-lo. Como não sabia nadar, morreram afogados, mãe e filho. A menina, que ficara em terra, instintivamente também foi ao encontro da mãe para morrer com ela.”

Não é de se duvidar que o barão, ao assassinar a criança, estaria dando cabo daquele que talvez fosse um provável filho seu com a escrava. Qual outro motivo? De fato, na atual novela, além de o barão de Araruna ter tido um filho bastardo com uma escrava – o mestiço Dimas –, houve um capítulo em que ele tentou abusar da negra Adelaide, a bela mucama de Sinhá Moça.

Outra passagem do texto de Wolff, também traz o seguinte: “Dizia-se ainda que, o Barão costumava matar a tiros alguns de seus escravos, por simples diletantismo, enterrando-os no cemitério da Fazenda”. Curiosamente, na mesma novela, um escravo revoltoso, é ameaçado de morte pelo barão.

O livro de Warren também esclarece: “diz-se que o barão de Grão-Mogol reconheceu 15 de seus filhos de escravas, todos os quais partilharam sua herança, a plantação da Angélica. Não se encontrou nenhum caso semelhante.” Warren, se fiando em trabalho de F. J. de Oliveira Viana (Populações Meridionais do Brasil), cita que este descrevia liricamente os barões como “garanhões fogosos da negrada”.

Um outro depoente, o senhor José Aparecido Begnami (85 anos, 2009), chegou a conhecer quando moço o célebre Tio Braz, um capanga do barão de Grão Mogol, e também chefe de escravos na fazenda Mata Negra. Das terríveis histórias que chegaram até nós sobre assassinato de recém-nascidos filhos de escravos e dos próprios escravos da fazenda, Tio Braz era o encarregado de muitos desses macabros serviços. Os adultos eram amarrados com pedras presas ao corpo e jogados um tanque que ficava para cima da fazenda Angélica, que, segundo Cidão, deve existir até hoje. Por essa época, era tudo fazenda Mata Negra, mas, depois, o fazendeiro e vereador José Ribeiro de Almeida Santos Filho comprou terras e abriu a fazenda Angélica. Tio Braz morreu com 120 anos, com as pernas comprometidas e infestadas de bichos-de-pé, que eram extraídos por um tal de “Bepão” Perinotto, usando-se a ponta de uma faca, momento em que Braz urrava e chorava de dor. Uma morte até branda para um homem que tanto mal fez aos escravos.

Quanto à personagem Sinhá Moça, não se sabe se ela foi inspirada na filha do barão de Grão-Mogol, a jovem Olinda, da qual não se têm informações. Porém, é provável que a cozinheira do barão – chamada “Ba” na novela –, seja inspirada em Virgínia, a empregada que narrou à escritora muitas das cenas reais utilizadas no livro , a negra, que no filme, interpretou seu próprio papel. Virgínia faleceu em São Paulo em 3 de dezembro de 1957 aos 82 anos, consternando o meio cinematográfico do país.
Agora, quanto ao “Irmão do Quilombo” (que um texto da Internet dizia que “parece o Zorro, com sua vida dupla, é bem verdade”), como vimos no texto do Cardoso, seria então o abolicionista ararense, o célebre Lourenço Dias (foto). Lourenço (1840-1898) tinha um quilombo particular em sua fazenda, a São Tomé, onde se reuniu mais de 400 escravos – o “palmares” ararense, a que se refere Cardoso – onde recolhia os escravos que fugiam de outras fazendas locais e da região – é somente o que afirmaram os historiadores locais, mas dizer que ele abria senzalas das fazendas na cidade na calada da noite para libertar escravos, como acontece na novela, só a autora do livro poderia confirmar, no entanto, ao contrário do que eu afirmei na última reportagem, a escritora Maria Dezone Pacheco de Fernandes já falecera.

De acordo com a tradição e a memória oral resgatada pelos antigos escritores, tanto barão de Grão-Mogol quanto o barão de Arari, por terem sido maus para com seus escravos, quando faleceram, o corpo de cada um desapareceu e em seu lugar, tiveram que colocar um tronco de bananeira no caixão para que pudessem realizar o enterro – um fato folclórico comum em muitas regiões do Brasil.

Por fim, não nos esqueçamos o que comentou dona Mariazinha à respeito de seu livro “Sinhá Moça”, em depoimento ao paulistano Jornal da Noite (2-1952):

“trata-se de um romance verdadeiro (...). Não é obra fictícia. Fi-lo na fazenda de meus pais, em Araras, num recanto bucólico, onde só tinha como confidente a velha Virgínia, hoje com 77 anos de idade e que foi minha grande auxiliar na reconstituição das cenas históricas ao natural. (...). Ela acompanha a minha família há mais de 50 anos, tendo sido filha de escravos”.


CURIOSIDADES SOBRE O FILME

– A estação do Elihu Root (foto, 1995), foi imortalizada como estação Araruna no filme, em que não só aparece como também foi usada para o transporte dos atores. Houve uma cena marcante, aquela em que ocorre uma tentativa de desembarque de tropas na estação para sufocar a rebelião dos escravos, e que foi frustrada por um grupo de mulheres que compareceu à gare, impedindo a ação dos soldados;

– Para as filmagens, a Vera Cruz construiu um cenário representando “a praça de Araras, a Igreja local, além dos demais pontos de referência do filme”. Sobre o estado da fazenda na época da filmagem, o Jornal de Araras escreveu: “Pode nossa reportagem ver o lugar onde ficava o tronco, e em companhia da homenageada, visitar as ruínas da antiga sede. A senzala, vimos de passagem, devido estar longe da antiga sede.”;

– Os atores principais de Sinhá Moça eram Anselmo Duarte (O Pagador de Promessas), Eliane Lage (esposa do cineasta Tom Payne), e a atriz Ruth de Souza (foto), que foi a primeira artista brasileira a ser indicada para um prêmio em Veneza, só perdendo por dois votos para Lili Palmer, atriz do filme “Leitos Nupciais”. Dentre as outras atrizes na disputa do melhor prêmio, estavam nada mais nada menos que Katherine Hepburn e Michele Morgan, fato que, por si só já constitui um prêmio. Matéria de capa da conceituada revista Manchete em 16 de maio de 1953, Ruth foi considerada a maior atriz negra do Brasil;

– O poeta modernista Guilherme de Almeida – o “Príncipe dos Poetas Brasileiros” –, que viveu sua infância em Araras, foi um dos responsáveis pelos diálogos adicionais do filme;

– O crítico de cinema da Folha de São Paulo, José Geraldo Couto,analisou o filme: “‘Sinhá Moça’ apesar de ser produção de época, misto de épico e melodrama, e de se ressentir da artificialidade dos diálogos, continua vivo por conta do dinamismo da montagem, da iluminação e dos movimentos de câmara. A seqüência final, espécie de Carnaval à luz dos archotes pela libertação dos escravos, mantém seu impacto dramático e visual”;

– O presidente Lula, em 2003, em conversa com o ator José Wilker sobre os novos projetos deste à frente da Agência Nacional de Cinema, confessou ao ator seus gostos cinematográficos, e disse ser fã do filme Sinhá Moça.

– O filme foi relançado em 2004 em DVD, no primeiro volume da “Coleção Vera Cruz”, junto de “Tico-Tico no Fubá” e “Uma Pulga na Balança”;

– O ator Anselmo Duarte, falecido em 18-10-2009, não filmava desde 1979, quando dirigiu “Os Trombadinhas”, filme produzido e interpretado por Pelé. Costumava reclamar do pessoal do Cinema Novo, afirmando que preferiu ficar longe do cinema, vivendo um exílio voluntário: “A inveja pela Palma de Ouro desencadeou um processo de aniquilamento, iniciado pelo pessoal do Cinema Novo e que fez com que me sentisse sem ambiente no Brasil”, comentou ele em entrevista ao Estadão em 1999.

BIBLIOGRAFIA (24 fontes)

*Atualizado em 22-11-2010
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