quarta-feira, 27 de julho de 2016

TOTÓ ROCHA, MEU BISAVÔ MATERNO ― UMA CRIANÇA ENCONTRADA NO MATO

O trabalho era penoso, mas a história me prendia, 
talvez por tratar de uma criança abandonada. Sempre 
tive inclinação para as crianças abandonadas. No princípio 
do romance longo achei garotos perdidos numa floresta, 
ouvindo gritos de lobos. As narrativas de D. Agnelina 
referiam-se a pequenos maltratados que se livravam 
de embaraços, às vezes venciam gigantes e bruxas.”
(Infância. Graciliano Ramos. 1945)

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Ao contrário dos Daltros, os registros sobre o meus antepassados do lado materno, ou seja, os Rochas, são bastante escassos e o pouco que consegui foi obtido em conversas com parentes.

Sobre o sobrenome Rocha, o site Nomes de Pessoas esclareceu:

“Junto ao sinônimo ‘da Rocha’, esse sobrenome ocupa a 22ª posição no ranking dos sobrenomes mais comuns do Brasil. Sem uma origem documentada, é possível que ele tenha surgido de Monseur de la Roche, um francês que teria migrado para Portugal durante o reinado de dom Afonso III, por volta de 1248. Outra origem possível é de pessoas que nasceram em locais rochosos, com uma explicação de natureza geográfica.”

Antonio "Totó" Rocha
Antes de partirmos para a biografia de meu antepassado mais remoto do lado materno que ostentava este sobrenome, gostaria de transcrever aqui, um pequeno trecho de uma pesquisa, “A sorte dos enjeitados” (2006), da pesquisadora Alcileide Cabral do Nascimento:

“Havia no Brasil desde os tempos coloniais um costume estranho a nossa sensibilidade de hoje, que era o de abandonar crianças em lugares ermos, ruas e becos, portas de casas e igrejas, monturos, correndo o risco de perecerem de fome ou frio, ou ainda de serem devoradas por cães e porcos que viviam soltos nas vilas e cidades. De onde vinham essas crianças, por que eram expostas, muitas vezes para a morte?”

Após este pequeno texto de introdução, quero falar então de meu bisavô materno Antônio da Rocha ― conhecido como Totó ―, nascido provavelmente em meados da segunda metade do século 19, no tempo em que Araras havia deixado de ser uma vila, antepassados que, naturalmente, eu e meus irmãos não chegamos a conhecer. Segundo meu tio João Rocha, Totó foi uma criança encontrada perdida no mato, sendo adotado por uma família de sobrenome Moraes. O que soa estranho nisto é o fato de Totó ter o sobrenome Rocha e não Moraes ─ triste história, amargo início de vida, a do Totó... Em tempos não só de mortalidade infantil muito elevada, mas também época em que havia ainda muitas matas nativas, sertões selvagens e animais perigosos que, por sinal, hoje já não mais se encontra na região, Totó, já menininho inocente e frágil se viu ou abandonado pelo mundo feito bicho-do-mato, sujeito à fome e sede, às intempéries e aos ferozes animais carnívoros, perdido sem ter condições de saber como sair dali e procurar ajuda. Felizmente, índios selvagens já não mais existiam na região, e, encontrado a tempo por uma alma caridosa, sobreviveu ao abandono e aos perigos naturais, tendo a felicidade de ser adotado como filho pela família sensível, bondosa e cristã que o acolhera. Naqueles tempos recuados, havia muitos casos assim, de crianças abandonadas à própria sorte, vítimas de pais impiedosos, o que remete ao livro “Chapadão do Bugre” (1957), de Mário Palmério, em que aludiu ao caso de um 

"filho incomodativo de algum casal cigano ou de uma mulher andeja, perdida pelo mundo ─ gente que o enjeitara numa carreira de queixadas para ser comido. Encontrada assim, por um acauso.”

Maria Cardoso Dias, 
esposa de Totó.
Muito antes destes tempos em que Totó nasceu, desde a época colonial, indo até a crise do império no final do século XIX, a criança abandonada era tratada pelos termos "expostos" e "enjeitados". Segundo a pesquisadora Judite Maria Barboza Trindade, da Universidade Federal do Paraná, 

“As práticas de abandono de crianças circunscreviam-se ao espaço urbano das vilas. Na zona rural, onde residia a maioria da população, é de se supor que o abandono também existisse, mas não dispondo de informações sistemáticas sobre suas formas, podemos apenas inferir a ocorrência de migração do abandono rural para as vilas e cidades, a exemplo do que ocorreu na Europa. ”

Sabe-se, porém, que Totó não fora encontrado na condição de recém-nascido, mas já criança, em tenra idade. Isto de se abandonar crianças ainda bebês realmente acontecia sendo fato muito corriqueiro, e a supracitada pesquisadora Alcileide Cabral do Nascimento corroborou o fato afirmando que

“Durante os dois primeiros séculos de colonização, não foram criadas instituições para acolher e prover o sustento dessas crianças. Isto só se deu quando o abandono de bebês em lugares ermos tornou-se numeroso, virou um escândalo público, e ganhou visibilidade, com fortes conotações de práticas infanticidas, ainda mais agravadas com o fato das crianças morrerem sem o sacramento do batismo.”

Na verdade, não se sabe se Totó foi abandonado pela família ou se se perdera dela de alguma forma, ou mesmo por alguma outra causa qualquer ─ o que se conta na família sobre sua origem se resume à isto: “foi encontrado perdido no mato, criança ainda”. Poderíamos fazer muitas conjeturas sobre sua origem, como, p. ex., especular que ele tenha sido o filho ilegítimo de alguma família respeitável, criado como bastardo numa fazenda isolada qualquer e abandonado no mato quando seus tutores não mais quiseram mantê-lo na família. Isto era comum acontecer naquela época, como, por exemplo, senhores de engenho e cafeicultores que engravidavam subalternas ou escravas, e queriam manter longe o "produto" de gravidez indesejável, fruto de adultério, união licenciosa que resultava naquilo que a Igreja tratava como “filhos do pecado”. Eram estas crianças nascidas de relações amorosas as mais diversas, oriundas de uma vasta gama de contatos fortuitos, às vezes perigosos, proibidos, clandestinos ou tratados como imorais. 

Segundo a pesquisadora goiana Diane Valdez, em seu trabalho “Inocentes Expostos: o Abandono de Crianças na Província de Goiás no Século XIX” (2003), este assunto de infância abandonada e crianças desvalidas "Trata-se de um tema relevante e com poucos registros, devido, principalmente, ao limite de fontes sobre o tema."  Por outro lado, e longe de querer fazer comparações pretensiosas e dar alguma importância à história do homem de origem humilde e incógnita que foi o Totó, mas à mero título de curiosidade, isto, de criança abandonada da qual nada se sabe sobre seus antecedentes se deu, p. ex., com o enigmático alemão Kaspar Hauser, personagem famoso, mas envolto em mistério, falecido em 1833 e que, ao contrário de Totó, foi encontrado perdido na cidade de Nuremberg aos 15 anos de idade, menino incapaz de falar e até mesmo de parar em pé. Também não fora, com certeza, como Victor de Aveyron (falecido em 1828), outra das muitas crianças encontradas perdidas em locais selvagens, mas que por problemas de idiotia foi de complicada educação, lembrando que o Totó se casara e tivera filhos com minha bisavó Maria Cardoso Dias, da qua, por sua vez,l não obtive informação alguma. Curiosa e coincidentemente, em se tratando de crianças encontradas nas citadas circunstâncias, cita-se que embora existam numerosos livros sobre crianças selvagens, quase nenhum deles foi escrito baseado em arquivos, em informações fidedignas, tendo os autores colhido duvidosas informações impressas de segunda ou terceira mão. 

Infelizmente, não há nenhuma outra informação mais sólida sobre Totó, nem o lugar e as condições em que fora encontrado, de modo que as circunstâncias sobre seu encontro são um completo enigma. Não se sabe, p. ex., se, ao ser encontrado, passava fome e sede, e até se estava nu, tal como se dera como Peter, o selvagem ― uma criança também encontrada perdida em Helpensen, Hanover, em 1724. Não pude saber também, por exemplo, há quanto tempo Totó se encontrava perdido no lugar onde fora encontrado. Estava são na ocasião? Era uma criança saudável e já falava, e se conseguia se exprimir, falava normalmente? Como era criança muito nova, talvez não tivesse idade suficiente para dar alguma informação sobre como fora parar ali, se se perdera da família ou fora abandonado propositalmente. Infelizmente, estas são informações que sumiram nas brumas do tempo, levadas ao túmulo por meus avós ─ a história de sua origem está invariavelmente perdida, lembrando que meus tios também pouco ou nada sabiam dos primórdios de Totó. 

Antonio "Totó" Rocha
Assim, anos mais tarde, não lhe foi possível se lembrar de quem eram seus pais, seus rostos, suas vozes, se fora batizado e tivera seu nascimento registrado. Nisto, triste ainda é pensar numa criança que não sabia o dia em que nascera, a amargura de não poder comemorar aniversários como os outros da família, no que quiçá, seus pais adotivos contornaram a situação resolvendo comemorar aniversários no bendito dia em que o encontraram, o que não deixava de ser, diríamos, um dia de “renascimento”.

Curiosa e coincidentemente, em se tratando de crianças encontradas nestas circunstâncias, cita-se que embora existam numerosos livros sobre crianças selvagens, quase nenhum deles foi escrito baseado em arquivos, em informações fidedignas, tendo os autores usado duvidosas informações impressas de segunda ou terceira mão. Totó, em que pese sua "insignificância", é mais uma dessas crianças "selvagens" da qual nada se sabe.

Enfim, a história de Totó pode ser resumida lançando-se mão de uma sentença dita pela escritora Rosalina Coelho Lima, em seu livro "Serei fazendeiro ― A seara de Caim", de 1953: 

“Ali estava. Ninguém lhe sabia da gente nem da origem"...

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sexta-feira, 8 de julho de 2016

ARARAS: "CIDADE DAS ÁRVORES" OU "CIDADE DOS CANAVIAIS"?...



Livro sobre a festa lançado pelo
autor, em 7 de junho de 2002.
No dia 7 do mês passado, completou-se 114 anos da Primeira Festa Das Árvores de Araras, mas, como sempre acontece, 99% não se deram conta disso. Após a efeméride, houve algumas exumações em algumas escolas, mas, passada a data, a festa foi enterrada novamente!...

É surpreendente que Araras tendo realizado no distante 7 de junho de 1902 aquele que pode ser considerado o primeiro movimento conservacionista dedicado às árvores na América do Sul, ninguém nesta cidade se dá conta de sua importância para a história deste país! 

Turisticamente falando, o nosso maior ativo é, incontestavelmente, a Festa das Árvores. Temos, na região, diversas cidades, todas com seus ativos em dia: Holambra com a “Festa das Flores”, Jundiaí com a “Festa da Uva”, Barretos com a “Festa do Peão de Boiadeiro”, Valinhos com a “Festa do Figo”, Limeira com a “Festa da Laranja” etc., mas, estranhamente, Araras não se interessa pelo seu feito histórico que, por seu pioneirismo e importância, deveria ter um renome continental, e, assim, não segue o exemplo das cidades vizinhas que tem em suas festas tradicionais motivos para atrair turistas e dividendos, bem como tornar famosa sua realização em todo o país e até na América do Sul.

Enfim, eis a cidade da amnésia endêmica e sua "memória de incinerador", aquela que esquece com facilidade seus feitos gloriosos que deveriam ser eternizados, aquela que não sabe que, em sua história tem um gigante adormecido!


Festa das Árvores em 1902 - quadro Emílio Wolff

Como se pode depreender, em Araras foi a paisagem canavieira ganhou estatuto de municipalidade e não a árvore, cujo nome, como se sabe, é o motivo de seu duvidoso (para não dizer hipócrita) lema. E este lema, o de “Cidade das Árvores” ― que deveria se ponto de expressão privilegiada de todas as representações municipais ―, não passa de balela e conversa mole para boi dormir! Entra ano e sai ano, e o gigante continua adormecido!... 

Ah, em pensar nas quantas cidades brasileiras não gostariam de ter realizado pioneiramente este evento e, assim, fazendo jus a ele, tê-lo relembrado pela eternidade afora e festas e mais festas, mas, como se vê, esta cidade infeliz que é Araras não é, definitivamente, digna de ser chamada de “Cidade das Árvores”. Oremos!...


Foto do satélite Landsat 7, de 2001. A as áreas em azul são solo ou cidade;
áreas em preto são rios e cursos d’água; áreas em vermelho são canaviais.
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quinta-feira, 28 de abril de 2016

OS BARÕES, CONDES E VISCONDES NA HISTÓRIA DE ARARAS, ESTADO DE SÃO PAULO

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O painel abaixo, foi confeccionado por mim com material extraído de um meu livro meu, suspenso temporariamente, cujo título é "Do Barreiro das Araras à Capela de Santa Cruz – Revelações históricas sobre o município de Araras".

Traz ele uma relação de 14 personalidades que receberam títulos nobiliárquicos, todas ligadas, direta ou indiretamente, à história de Araras. Ao que consta, porém, só o conde Silvio é natural de Araras. 

Alguns nunca moraram aqui; a maioria era originária de outras cidades da região ou mesmo de outros estados; outros tinham parentes ou terras aqui, como o mais antigo de todos, o barão de Iguape.  

O período envolvido, portanto abrange três séculos: o 18, 19 e o 20, e através das personalidades relacionadas pode-se, em termos, auferir a importância que eles tiveram não só na economia da cidade, mas também na do Estado, bem como influência nas artes e na política paulista, principalmente na era de ouro do café, já que a maioria era cafeicultor .



* Para ver a imagem maior, clique na foto abrindo-a, e depois, clique com o botão direito do mouse na foto e clique novamente em "Abrir a imagem em uma nova guia". Depois vá até a página aberta e, se ela aparecer, clique com a lupa em cima da foto.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

ADVINHAS AO ESTILO DA “TURMA DO CHAVES” PARA AS CRIANÇAS BRINCAREM

    (Criação minha, dedicada aos
     meus amiguinhos Yan e  Yago)



Para quem não conhece a brincadeira, é o seguinte: uma criança faz uma pergunta à outra, e se esta responde corretamente, a primeira dá um golpe (de brincadeira) nela, golpe este cujo nome rima com a resposta.


AS ADVINHAS:


- Qual o nome daquele suco verde de cana?
- Garapa!
- E eu te dou um baita tapa!...



- Qual é o nome daquele animal que não gosta de gato?
- O cão!
- E eu te dou um beliscão!...



- Qual é o nome da luta do Paranauê?
- Capoeira!
- E eu te dou uma rasteira!...




- Qual o nome daquele elefante peludo que vivia no Polo Norte e se extinguiu?
- O mamute!
- E eu te dou um belo chute!...



- Qual é o animal orelhudo cujo nome é dado para os homens ignorantes?
- Burro!
- E eu te dou um baita murro!...



- Qual o nome daquele inseto que faz mel?
- Abelha!
- E eu te dou uma bolacha na orelha!...



- Qual o nome daquele animal que se uma mulher beijá-lo ele vira príncipe?
- Sapo!
- E eu te dou um sopapo!...



- Qual o nome daquele doce que se come com queijo?
- Marmelada!
- E eu te dou uma pernada!...



- Qual o nome daquele órgão que bate no peito?
- Coração!
- E eu te dou um pescoção!...



- Qual o nome daquela comida com feijão preto?
- Feijoada!
- E eu te dou uma bordoada!...
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segunda-feira, 12 de outubro de 2015

UM CASO ANTIGO DE BULLYING, ENVOLVENDO O POETA INGLÊS PERCY SHELLEY

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O poeta inglês Percy Shelley, um dos maiores da Inglaterra, nasceu em 1792, falecendo em 1822. O texto que posto hoje diz respeito à um primitivo caso de bullying envolvendo este célebre literato, o que se deu em sua juventude, no distante princípio do século 17.

“Os regulamentos da escola não passavam, para o seu espírito hipersensível, de açoites de opressão. Passeava pelo campus sozinho, infeliz, em atitude opressão. Os colegas chamavam-no ‘o louco Shelley’, e organizaram uma ‘sociedade de provocação a Shelley’. Sempre que se sentava a margem de um rio, para ler Shakespeare ou Voltaire, caiam sobre ele como um bando de cães de caça, perseguiam a sua presa pelo bosque e finalmente acuavam-na, obrigando-a a uma luta desesperada contra todos, em condições de desigualdade. A sociedade humana, conclui ele, é uma horda de bárbaros com uma camada de cultura. (...) Completamente absorto no mundo do seu sonho, caminhava como um estranho no mundo dos homens. Em geral, com efeito, evitava a companhia de seus semelhantes. Sentia-se mais à vontade entre as coisas da natureza. Passava a maior parte do tempo nos bosques, em meio as montanhas, ou em seu barco. Os rios conversavam com ele, as ondas do mar encrespavam-se em gargalhadas, as árvores desprendiam de seus galhos uma música inteligível, as nuvens passavam por sua cabeça como um bando de pássaros vivos, o vento, como um titã, descia precipitadamente das montanhas, arrastando cascalhos para o saco que trazia às costas e, espalhando-os, a gargalhar ruidosamente pelos campos.

Shelley pouco se importava com as agitações mesquinhas dos mortais. Preferia observar o nascer do sol, quando este soltava sobre uma nuvem e se lançava rapidamente sobre o horizonte, ou ‘aquela donzela em forma de orbe, vestida de alva claridade, que os mortais chamavam de lua’, enquanto dançava, deliciosamente pelo assoalho noturno dos céus. As estrelas eram um bando de abelhas de ouro. Ele ouvia o seu zumbido divino, traduzia-o em música, para que os ouvidos dos homens pudessem compreendê-lo.”

(Vida dos grandes poetas - Percy Shelley. Henry e Dana Lee Thomas, 1958)

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

RESENHA DE LIVROS E REVISTAS LIDOS POR MIM EM SETEMBRO DE 2015

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1-  O melhor de Vinícius de Moraes.  Cia. das Letras - Folha,1994. Poesias e textos que normalmente não vemos em livros escolares, infelizmente. Eu mesmo nunca havia lido tais textos (e textos antigos), e confesso que me surpreendi com a qualidade deles, sem falar no bom humor de nosso poetinha. Uma coletânea que vale como uma boa introdução para a criação literária extra-poesia de Vinícius.






2- O encanto da leitura - Textos inesquecíveis. Abril Cultural, 1981. Uma seleta de trechos de clássicos da literatura mundial compilada pelo grande Victor Civita, sim, o então chefão da Abril. Neste livreto, ele se propõe a introduzir novos leitores em textos escolhidos de autores de renome mundial como, p. ex., Shakespeare, Machado de Assis, Stendhal, Camões, Bilac, Tolstói, Nietzche, dentre outros gigantes da literatura. O livreto se divide em cinco temas: amor, mulher, trabalho, morte, guerra, liberdade e crime. Ao que o autor se propõe, o livro atinge em cheio a meta, funcionando  meio que aos modos dos antigos livros de Português, com suas ótimas seletas de clássicos, isto, sem ao "inconveniente" das partes gramaticais, de análises sintáticas e glossários.


3- Baú dos Ossos - Memórias 1 - Pedro Nava. 1968. Numa palavra: assombroso. Sempre quis conhecer este auto-proclamado "poeta bissexto", tão bem dele falavam, mas lembro-me que a primeira vez que pus meus olhos num livro seu, jurei que nunca ia lê-lo, que os parágrafos são imensos — ele é torrencial e parece não gostar de pausas, de querer parar para respirar — vai muito além do Rousseau, que é perito nisto, e é coisa que desestimula até mesmo os que são viciados em leitura, que os parágrafos não raro atravessam páginas, e isto, mesmo mudando-se os assuntos. Aliás, Rousseau pediu desculpas pelos seus "detalhes insignificantes", mas Nova é "imperdoável".  Por exemplo, está falando dos vendedores ambulantes de doces, e já emenda com os compradores de ratos do Oswaldo Cruz! Mais estranho ainda, e surpreendente, descreve nuvens numa página inteira e não cita o nome de nenhuma , mas poucas páginas depois, vai falar do algodão doce e descreve-o usando cirros, estratos, cúmulos e nimbos!.... Felizmente, o acaso me salvou certo dia quando ele me colocou diante de dos três primeiros livros desta série, e os três à preço de banana. Mal comecei a ler suas 443 páginas e fiquei abestalhado, pois ele é eclético e fala de tudo e de todos. Ele tem memória prodigiosa e torrencialidade, à ponto de peitar o próprio Proust. Seus escritos tem sentimento, poesia, ternura, humor e raiva.  Não concordo com Raquel Jardim que disse que ele pouco fala de si, mas de outras pessoas — pelo menos neste primeiro livro, ele é o protagonista, e, mais surpreendente ainda, nesta estreia ele se revela um memorialista prodigioso, já burilado e totalmente seguro de si no que propõe. Se se pode dizer que há um "senão" neste seu livro (ainda não li os seguintes), é na parte "genealógica", onde desfilam pelas páginas milhares de pessoas, relatando parentes (parece o próprio Adão, de que todos são parentes!...), vizinhos e conhecidos, que são minuciosamente citados e descritos, isto para não falar na precisão das datas, das horas precisas,  dos nomes e número de ruas, do(a)s... Pelo teor e relativa semelhança (e com a mesma função e utilidade: um verdadeiro tesouro para os historiadores!) - analisando sua obra, Nava nos remete aos cinco  alentados volumes de "História da Vida Privada no Brasil"; aos três de "História e Tradição da Cidade de São Paulo" de Ernani Silva Bruno; e, finalmente, aos dez volumes da coleção "Nosso Século" da Editora Abril. Mas, enfim, Pedro Nava é fantástico,  e concluo que um literato de sua estirpe só pode ser descrito por meio dos mesmos elogios superlativos dirigidos aos grandes da área memorialística mundial! Assim sendo, chego ao ponto de dizer que, para mim, ele é o maior escritor brasileiro, um escritor de primeiro escalão que faz jus à um renome planetário ainda hoje, e que merece parear com os gigantes da literatura universal. Nava é um oportuno achado: um mestre supremo que nos humilha com seu estilo: sinto que, sob sua tutela, tenho de reescrever tudo o que produzi até agora!... Enfim, concluo que depois de conhecê-lo, preciso mesmo rever meus conceitos do que éseja Literatura. Nava. Assombroso.

4- Kohoutek 1973-F "O cometa do século". Nova Galáxia. 1974. Um revista documentando a passagem do novo cometa conhecido como Kohoutek (pronuncia-se Caútec), descoberto  acidentalmente pelo astrônomo tcheco Lubos Kohoutek em março de 1973. O cometa, de longe, não cumpriu as previsões quase unânimes dos astrônomos, as de que seria "O cometa do século", e, por isto mesmo, depois, foi considerado "O fiasco do...", o que foi uma grande pena, pois se as previsões se concretizassem, teríamos presenciado um dos maiores e mais belos cometas de todos os tempos, um cometa rasante e o que mais se aproximou do Sol. Fui um dos grandes infelizes, e duplamente, pois quando comprei esta revista, o fiz tardiamente e já em sua 3ª edição, e o pouco que pode ser visto do cometa já não mais oferecia atrações. Naquela época, ao contrário de hoje, obter informações precisas sobre este tipo de fenômeno era algo muito difícil e complicado. Por fim (e de todo modo), àquela altura, quando esta revista foi lançada (5-1-1974), a maioria dos astrônomos já sabia de antemão que o cometa não ia ser 10% de tudo aquilo que a mídia propalou a seu respeito, no entanto, a mesma não queria dar o braço à torcer... E fez-se o fiasco!...

5- Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta) — Literatura Comentada. 1981.  Um dos livretos de uma série lançada pela Editora Abril com autores brasileiros, com "textos selecionados, estudo histórico-literário, biografia e atividades de compreensão e criação". Já conhecia o hilário (o do Febeapá), mas esta coletânea me surpreendeu com criações suas que eu desconhecia. Ele é ótimo, e seu humor incrível e moderníssimo nada deve aos gigantes do gênero.  Não se sabe se era cardisplicente como seu irmão de arte — o boêmio e multimídia Antonia Maria —, mas, do mesmo modo, tinha tanto ainda para oferecer e nos fazer rir, mas nos fez chorar sentidamente, pois morreu novo e do mesmo modo: do coração... Do livreto, recomendo como aperitivo três ótimas crônicas: "A velha contrabandista", "Era covardia" e "O anjo", hilaríssimas e com seus desfechos inesperados. A seleta é um ótimo convite à empanturração com as obras completas do notável hilário.

domingo, 13 de setembro de 2015

RESENHA DE LIVROS E REVISTAS LIDOS POR MIM EM AGOSTO DE 2015

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1- Pelos caminhos de minha vida. A. J. Cronin. 1968. Cronin foi um escritor famoso em meados do século passado, mas hoje pouco se ouve falar de seus livros - cerca de vinte -, que foram lançados pelo mundo todo, sendo que algum foram parar nas telas. O livro em questão trata de suas memórias, onde ele condensou a sua saga como médico e os duros caminhos que teve de trilhar até concretizar seus anseios de tornar escritor. Um livro de leitura agradável, mas mediano.



2- PZ - Poeira Zine Nº 61, julho/agosto 2015. O destaque deste número fica para a longa, minuciosa e esclarecedora matéria com a grande banda de rock progressivo brasileira, o Som Nosso de Cada Dia, que, "só lendo mesmo"... Outra matéria de destaque trata dos grandes selos de rock alemão, que lançaram inúmeras bandas que se tornaram famosas pelo mundo todo, boa parte delas lançadas no Brasil, como Nektar, Message, Guru Guru, Kathargo, Embryo, Tangerine Dream e Amon Düül II. Para finalizar, destaco a ótima matéria com o baixista e vocalista John Wetton, que tanta contribuições de peso trouxe ao rock ao integrar bandas de renome mundial como King Crimson, Roxy Music, Uriah Heep, UK, Asia e Wishbone Ash.


3- Conhecimento Prático - Literatura - Em busca do Tempo Perdido. Nº 48. 2013. Revista dedicada à Literatura, cuja edição tem como destaque traz uma análise, livro a livro, sobre o centenário da clássica série memorial "Em busca do Tempo Perdido", do escritor Marcel Proust. Traz também uma análise de Kafka e sua obra, como também um texto esclarecedor onde se afirma que o trabalho de escrita de uma narrativa literária é um trabalho de edição, termo usado no jornalismo, na televisão e no cinema.


4- Copérnico - Grandes personagens de todos os tempos. 1973. A biografia daquele que é uma dos maiores astronômos da história da Astronomia antiga e um dos maiores de todos os tempos. Um ótimo livro, muito esclarecedor, seguindo passo a passo a vida desse gênio do Renancentismo, devotado pesquisador que, por medo de represálias da Igreja e de ser ridicularizado por seus pares, relutou por anos a fio em lançar seu livro "Da revolução da esfera celeste" - a obra máxima de toda a sua vida -, no qual expunha a teoria do heliocentrismo, onde deslocou a Terra de seu centro medieval, lançando-a em órbita do Sol renascentista, fato que é o símbolo da gênese do pensamento moderno. Esse medo era devido ao que havia acontecido à Giordano Bruno, queimado em fogueira pública por suas ideias revolucionárias, o que levou Copérnico à obliquidade, ao sofismo e às meias-palavras. Afinal, como não temer os membros de uma entidade ao qual ele próprio se referia como "Eminentíssimos e Reverendíssimos Cardeais Inquisidores Gerais da Comunidade Cristã Universal"?!... Enfim, à esse estudioso e recluso gênio de Nuremberg, a um tempo astrônomo, matemático, médico, economista e chefe de Estado, a coisa mais importante de sua vida era a torre da catedral de Frauenburg, onde viveu enclausurado durante cerca de 30 anos, lugar que usava livremente como morada, local de pesquisa e observatório, e onde também, tristemente, morreu cego e abandonado. Assim fora a vida deste homem singular, um solitário que se irritava com a simples e absurda idéia de se explicar o individual pelo geral. Sobreviveu à tempo de ver seu livro lançado, sem sequer imaginar que 75 anos depois a venerável e santa Igreja colocaria sua obra no Index!... E como ficaria feliz ao saber que, num futuro distante, o mundo ia associar o aniversário de seu nascimento à celebração do nascimento da Ciência moderna!


5- Caçadas e Pescarias. Antonio Pereira Coelho Filho. 1962. Um livro acima do mediano, mas que não acrescentou muito aos meus conhecimentos sobre cinegética. Tanto o é que o índice particular que costumo fazer nas capas internas dos livros que leio foi irrisório. As "histórias de caçadores" em que ele se propõe a nos fazer rir são algo insossas, além disso, não escreve com a mesma paixão, poesia e grande conhecimento ao nível do nosso representante-mor no gênero, o eminente Francisco de Barros Jr. No entanto, há uma história, a meu ver, muito bem escrita, com um ótimo estilo literário, por título "Era um moço mineiro", já ao final do livro, história para a qual eu tirei meu chapéu, mas não tão boa à ponto de figurar ao lado de "O ladrão de cavalos", o célebre conto de Luís Jardim. Curioso no livro é o último capítulo onde ele ensina aos caçadores uma espécie de código-morse, que pode ser feito com assovios ou mesmo pios de caça, de modo a se comunicar com outros caçadores nas redondezas sem espantar a caça. O celular não faria melhor!...